segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Educação, ciência e espiritualidade

Texto selecionado pela irmã Dafne Pinto para estudo em Loja em 26.11.13

P: Às vezes tenho pensamentos em minha mente, eu os chamo de “fita que vai-e-vem”, e tenho lembranças de minha própria história. Vejo-me desta maneira: minha mente é um rio que está fluindo e os pensamentos são regurgitados. Às vezes ela está quieta, mas geralmente é um rio barulhento. Mas então tenho emoções também, e sempre me tenho perguntado se existe diferença entre o que eu chamo de pensamento e o que eu sinto muito diretamente e que chamo de emoções, ou serão as emoções apenas pensamentos mais profundos ou pensamentos armazenados de um modo químico mais profundo? A minha pergunta ficou clara?

P. Krishna: Sim. Pensamentos e sentimentos são ambos capacidades de nosso cérebro, e é por causa da comunicação e por conveniência de descrição que vemos o pensamento como algo surgindo do intelecto, e a emoção como algo pertinente ao sentimento, que surge de um nível mais profundo de consciência. Mas na verdade eles buscam um ao outro; a emoção é acentuada pelo processo mental, não é um processo separado em si mesmo. Muitas vezes dizemos que as emoções estão relacionadas ao coração porque geralmente o batimento cardíaco aumenta quando estamos emocionados. Mas cientificamente estão no cérebro; não têm origem no coração. 


Os pensamentos originam-se da memória, a emoção também se origina da memória, mas de recessos mais profundos. A emoção, por exemplo, pode ser um instinto, enquanto o pensamento pode simplesmente surgir do conhecimento, uma das duas faculdades que funcionam simultaneamente na mente humana. Você poderia dividir as várias faculdades da mente humana entre as que são baseadas no pensamento e as que são baseadas no sentimento. Seu senso de beleza, seu senso de sentimentos, medo, ciúme — tudo isso é emoção; e conhecimento, pensamento, lógica, raciocínio — tudo isso está baseado no intelecto, baseado no pensamento. Mas ambos ocorrem simultaneamente, e precisamos do equilíbrio dos dois. O homem que é apenas intelectual e desprovido de emoção é frio, desequilibrado. O homem que é totalmente emocional e desprovido de raciocínio lógico é neurótico e igualmente desequilibrado. Assim, deve haver harmonia dentro da pessoa entre emoção e pensamento. 

É o que diz o ditado, mas eu não concordo com ele plenamente. O que ele quer dizer essencialmente é que o estado mais perigoso de se estar é aquele em que não sabemos e pensamos que sabemos, porque então paramos de inquirir, e desta forma jamais descobriremos que não sabemos. Assim, esse é o único estado que se deve evitar a todo custo na vida. E portanto jamais dizer, ‘eu sei’, porque não podemos ter certeza de que sabemos a verdade. Devemos estar sempre desejosos de reconsiderar, de duvidar, porque a verdade não é algo estático. A verdade vem à existência quando há uma percepção direta dela em nossa consciência, de outro modo tem-se apenas uma descrição da verdade, uma idéia a respeito dela. Então existe este hiato entre o que sabemos intelectualmente como conhecimento, que é mantido como perguntas e respostas na memória, e o que sabemos como percepção direta, que é o nosso próprio insight.

Não precisamos de todo um conjunto de teorias para nos dizer que nosso dedo irá queimar no fogo. Nós sabemos. Também é verdade o que o cientista diz: que o fogo chega a 500 graus centígrados e que o dedo é carboidrato, e quando é posto em contato com o fogo, ele oxida e queima enviando a sensação ao longo dos nervos, que é interpretada pelo cérebro como dor. Tudo isso é verdade, mas não precisamos de tudo isso para saber que queima. Precisamos de toda essa teoria conceitual somente se não temos a percepção direta, e quando sabemos algo apenas como conceito, realmente não sabemos o que é. É o que acredito que Krishnamurti quis dizer quando afirmou: A palavra não é a coisa. Uma palestra sobre amor não é amor. É apenas uma descrição do amor, temos de descobrir o que foi descrito. Assim, ele disse que a descrição não é a coisa descrita. E a ponte sobre este abismo é a diferença entre a compreensão intelectual de algo e sua realização. Ela deve tornar-se real em nossa consciência. Quando se torna real, então é verdade para nós; caso contrário, é apenas uma descrição de uma verdade que alguém mais viu.

P: O que o senhor quis dizer com ser condicionado e ser livre ao mesmo tempo?

P. Krishna: Sim, acredito que estar livre de condicionamento não significa que não haja condicionamento, porque a memória ainda está lá. Mas quando estamos perceptivos da coisa ela não domina nossa estamos perceptivos da coisa ela não domina nossa consciência. O mesmo se dá, por exemplo, com o desejo. Ser livre de desejos não significa ausência de desejo. Algumas pessoas consideram o desejo em si como algo ruim, e portanto tentam eliminar o desejo de suas consciências. Elas dizem: Se eu olho para algo belo isso cria desejo, assim excluo a beleza. Se olho para uma mulher e isso cria desejo, excluo as mulheres. Então no final das contas isto significa a morte; eliminamos todos os nossos sentidos, dessensibilizamos a nós mesmos. Isso não é ser religioso.

Assim, o que eu estou dizendo é que para mim, ser livre de desejos significa que estamos perceptivos de todo o movimento do desejo. Não significa que o desejo não surja, mas que não é obsessivo, que não nos identificamos com ele, e que não é necessário nem suprimi-lo, nem satisfazer-lhe. Se ele é satisfeito normalmente, sem violência, sem dano a ninguém, etc., não temos objeção à sua realização, mas também não temos objeção à sua não realização.Então ele surge como uma onda que pode decrescer antes de alcançar a praia, ou pode chegar até a praia. Tudo é parte de algo que acontece na Natureza, e eu sou um estudante da Natureza — não estou dizendo que isso é o que deva acontecer ou não. Mas quando eu me identifico com a onda e digo, ela deve chegar à praia, farei o possível para que ela chegue à praia, o ego se engaja com avidez. 

Por outro lado, o desejo é algo natural. Quando temos fome, o desejo de alimento é uma coisa natural. O desejo de ir para casa é uma coisa natural. Mas quando se torna obsessivo, então existe apego; uma dependência é criada, e é isso que cria o problema. Em si mesmo nem o dinheiro, nem a propriedade, nem outros desejos criam um problema. Mas tornam-se um problema se lhe dermos importância indevida, então esse apego cria o problema.

P: O que o senhor quis dizer quando afirmou que não pertencemos a um grupo, mas a toda a humanidade, globalmente?

P. Krishna: [...] Como dissemos anteriormente, num sentido fundamentalmente profundo não é possível ensinar nada a ninguém, mas podemos destacar coisas. E se chamamos a atenção da pessoa para algo, compete à pessoa aprender a respeito ou não. Assim, Krishnamurti chamou a atenção para muitas coisas, e diferentes pessoas aprenderam sobre elas em diferentes medidas, segundo sua capacidade. Existem pessoas que simplesmente gostavam de conversar. Ele era um homem muito esperto e vistoso; nós olhávamos para ele e nos distraíamos. Podemos tornar-nos seus devotos e considerá-lo nosso guru, então começaremos a gostar de cada palavra e de cada gesto do guru e perderemos os ensinamentos.

Todas as maneiras tradicionais com que podemos destruir o aprendizado estão aí, mesmo com Krishnamurti. Depende do modo como abordamos seus ensinamentos; se a questão levantada por ele torna-se uma questão também para mim e eu estou buscando uma resposta por mim mesmo, ou se estou apenas colhendo as respostas dele e repetindo-as. Se assim for, eu apenas irei tornar-me um especialista da filosofia de Krishnamurti sem realmente compreender o que ele está dizendo. Sempre existe este perigo, mas com as crianças é mais fácil. O fato é que nós verdadeiramente tentamos destruir a atenção da criança ao direcioná-la. Queremos que ela preste atenção ao quadro-negro quando estamos ensinando algo, e ela quer olhar pela janela para a árvore que está lá fora. Mas se nós a encorajarmos a olhar para a árvore e a prestar plena atenção na árvore, também lhe teremos ensinado atenção. No entanto, não estamos interessados em lhe ensinar atenção; queremos direcionar sua atenção para a matemática que estamos ensinando. Assim, se estamos preocupados a respeito de seu problema de atenção e a consideramos com amor, não como alguém a ser manipulado ou moldado da maneira particular que tenhamos fixado, então podemos ensinar-lhe até a respeito da atenção. Se ela é capaz de aprender ou não é outra questão. Ela pode não aprender mesmo a matemática que ensinamos; essa opção é dela.

[...] A clareza é que é importante, não o conhecimento. Temos de encontrar essa clareza, ou essa inteligência, ou esse insight, ou essa percepção direta — chame-a do que quiser, mas ela está além das palavras. Descobrir o que é verdadeiro e não apenas as explicações — esse pode ser o verdadeiro propósito de nossa consciência. Talvez esta consciência tenha sido dada a nós, não para realizar todos os nossos desejos e ambições, e viver por meio de todas as reações do ‘eu’, mas para estudarmos e examinarmos tudo isso, e escaparmos de nós mesmos. O ‘eu’ jamais vai escapar de si mesmo! Assim, quem escapa? Eu não sei. A única maneira de saber é deixar acontecer.

[...] A identificação começa quando eu sinto medo, quando me sinto inseguro, e por isso gosto de pertencer a uma comunidade, a uma nação, sinto que elas me protegerão. Mas a longo prazo podemos ver que é exatamente isso que o homem numa outra comunidade, numa outra nação, também está fazendo — ele também está se identificando com sua nação, com sua religião, pelas mesmas razões que eu estou identificando-me com a minha, e então por ignorarmos isso, lutamos e nos destruímos. E, paradoxalmente, este fenômeno está realmente criando grande insegurança no mundo.

Então surge um homem como Krishnamurti que diz, Senhor, olhe para isto, você não tem que viver desta maneira, é estúpido viver desta maneira, isto não está resolvendo o problema. Podemos ter adquirido tudo isso na infância, mas também temos a capacidade, a inteligência, para examiná-lo e eliminá- lo. Mas não olhamos para isso, estamos o tempo todo interessados em evitar a dor, tanto psicológica quanto física, e em cultivar o prazer. Assim, nós não compreendemos o mecanismo absolutamente. Temos desejo e buscamos sua realização, mas jamais compreendemos o desejo. Nós dizemos, ‘Este é um desejo nobre, aquele é um desejo ignóbil. Estes são bons hábitos, aqueles são maus hábitos’. Mas jamais questionamos o hábito em si, nem compreendemos o que ele venha a ser. Nós desaprovamos quando o desejo é por álcool, e o consideramos muito nobre quando é ambição por algum trabalho que estamos realizando. Assim, nós simplesmente o categorizamos como bom hábito, mau hábito, desejo nobre, desejo ignóbil.

Krishnamurti disse: ‘Está tudo muito bem, mas é superficial demais. Olhe para o próprio desejo, o que ele faz’. Você tem de compreender o desejo. O desejo tem suas próprias consequências, muito embora possa não ser para uma finalidade nobre. Mas não compreendemos isso, e assim continuamos brincando de escolher entre um desejo e outro. Não entendemos de fato nossa consciência, e enquanto isso continua, podemos continuar brincando na periferia, e isso será como criar bolhas de sabão com uma mão e destruí-las com a outra. Não é um modo particularmente inteligente de se passar o tempo! 

KRISHNA, P.  Educação, Ciência e Espiritualidade, pp. 41-43, 76-79, 86-87,171-174, Ed. Teosófica.

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

Nenhum comentário: