terça-feira, 23 de junho de 2015

A natureza transitória da vida

Nosso Verdadeiro Lar
Uma palestra para uma discípula leiga idosa que está morrendo

Por Ajaan Chah


[...] Ouça bem. Você precisa entender que mesmo o próprio Buda, com o seu grande depósito de virtude acumulada, não pôde evitar a morte física. Quando ele alcançou a velhice, ele abandonou o seu corpo e soltou o seu pesado fardo. Agora você também precisa aprender a estar satisfeita com os muitos anos em que esteve sujeita a esse corpo. Você deveria sentir que já chega.

Você pode compará-lo a utensílios de cozinha que teve por muito tempo - suas xícaras, pires, pratos e assim por diante. Quando você os comprou eles estavam limpos e brilhantes mas agora após usá-los por tanto tempo, eles mostram os sinais do tempo. Alguns já estão quebrados, outros desapareceram e aqueles que sobraram estão se deteriorando; eles não possuem uma forma estável, e faz parte da sua natureza que seja assim. Com o corpo é o mesmo - esteve continuamente mudando desde o dia em que você nasceu, através da infância e adolescência, até agora quando alcançou a velhice. Você precisa aceitar isso. O Buda disse que os fenômenos, (sankharas), quer sejam internos, do corpo, ou externos, são desprovidos de um eu, a mudança faz parte da natureza deles. Contemple essa verdade até que você a veja claramente.

[...] O Buda nos ensinou a olhar para o corpo, contemplá-lo e aceitar a sua natureza. Precisamos estar em paz com o corpo, não importando o estado em que ele esteja. O Buda ensinou que devemos nos assegurar que somente o corpo esteja aprisionado e não permitir que a mente seja aprisionada junto. Agora, à medida que o seu corpo começa a perder vitalidade e deteriorar pela idade, não resista a isso, mas não permita que a sua mente se deteriore junto com ele. Mantenha a mente separada. Energize a sua mente compreendendo a verdade de como as coisas são. O Buda ensinou que essa é a natureza do corpo, não pode ser de outra forma: tendo nascido, ele envelhece e se enferma e depois morre. Essa é uma grande verdade com a qual você está se deparando agora. Olhe para o corpo com sabedoria e entenda isso.

Se a sua casa estiver inundada ou completamente queimada, qualquer que seja o perigo que a ameace, faça com que seja somente com a casa. Se ocorrer uma enchente, não permita que ela inunde a sua mente. Se ocorrer um incêndio, não permita que ele queime o seu coração. Deixe que seja somente a casa, aquilo que é externo a você, fique inundada e queimada. Permita que a mente se liberte dos seus apegos. Este é o momento certo.

[...] O Buda disse que o que podemos fazer é contemplar o corpo e a mente de tal forma a ver a sua impersonalidade, ver que nenhum deles é "eu" ou "meu". Eles possuem meramente uma realidade provisória. É como esta casa: ela é sua somente de forma nominal, você não a pode levar para nenhum lugar. Ocorre o mesmo com a sua fortuna, as suas posses e a sua família - elas são todas suas somente no nome, na verdade elas não lhe pertencem, elas pertencem à natureza. Agora essa verdade não se aplica somente a você, todos estão na mesma posição, mesmo o Buda e os seus discípulos iluminados. Eles diferem de nós apenas num aspecto, na aceitação das coisas do modo como elas são, eles viram que não pode ser de outro modo.

[...] Dê uma olhada no corpo. Que tipo de coisas você vê? Existe algo que seja intrinsecamente limpo? Você pode encontrar alguma essência permanente? Todo este corpo está constantemente se degenerando e o Buda nos ensinou a ver que ele não nos pertence. Faz parte da natureza que o corpo seja assim porque todos os fenômenos condicionados estão sujeitos à mudança. De que outra forma poderia ser? [...] É como a água de um rio. Ela naturalmente flui quando há uma inclinação, ela nunca flui em sentido contrário, assim é a natureza. Se uma pessoa estivesse às margens de um rio e vendo a correnteza fluindo rapidamente, tolamente desejasse que as águas fluíssem em sentido contrário, ela iria sofrer. O que quer que ela estivesse fazendo, a sua maneira errada de pensar não lhe daria paz. Ela ficaria infeliz devido ao seu entendimento incorreto, pensando contra a correnteza. Se ela tivesse o entendimento correto ela veria que a água deve inevitavelmente fluir de acordo com a inclinação, e até que ela entenda e aceite esse fato, a pessoa ficará agitada e preocupada.

[...] Não existe ninguém neste mundo que possa escapar a esse destino. O Buda nos disse para deixar de lado tudo aquilo que não possui uma essência verdadeira, permanente. Se você colocar tudo de lado, irá ver a verdade, se você não fizer isso, não irá vê-la. Assim é como é, igual para todos, portanto não se preocupe e não se agarre a nada.

[...] Pensar que você gostaria de viver por muito tempo a fará sofrer. Mas pensar que você gostaria de morrer logo ou muito rapidamente também não é correto, é sofrimento não é? As condições não nos pertencem, elas seguem as suas próprias leis da natureza. Você não pode fazer nada acerca do modo como o corpo é. Você pode embelezá-lo um pouco, fazer com que seja atraente e limpo durante algum tempo, tal como as garotas que passam batom e deixam as unhas crescer. Porém, quando a velhice chega, todos estão no mesmo barco. O corpo é assim, você não pode fazer com que seja de outro modo. Mas o que você pode melhorar e embelezar é a mente.

Qualquer pessoa pode construir uma casa de madeira e tijolos mas o Buda ensinou que esse tipo de casa não é o nosso verdadeiro lar, é nosso só nominalmente. É uma casa no mundo e segue as regras do mundo. O nosso verdadeiro lar é a paz interior. Uma casa pode muito bem ser bonita mas não tem muita paz. Existe esta preocupação e depois aquela, esta ansiedade e depois aquela. Portanto dizemos que ela não é o nosso verdadeiro lar, está fora de nós, cedo ou tarde vamos ter que abrir mão dela. Não é um lugar em que podemos viver permanentemente porque na verdade não nos pertence, é parte do mundo. Com o nosso corpo ocorre o mesmo; assumimos que ele seja parte do eu, que seja "eu" e "meu", mas na verdade não é nada disso, é uma outra casa do mundo. O seu corpo seguiu o seu curso natural do nascimento até agora, está velho e enfermo e você não pode proibi-lo disso, assim é como é. Querer que seja diferente é tão tolo quanto querer que um pato seja uma galinha. Quando você vê que isso é impossível, que um pato tem que ser um pato, e que uma galinha tem que ser uma galinha, que os corpos têm que envelhecer e morrer, você terá energia e força. Não importa quanto você queira que o corpo se mantenha e dure por muito tempo, isso não irá ocorrer.

O Buda disse:

Anicca vata sankhara
Uppada vayadhammino
Uppajjhitva nirujjhanti
Tesam vupasamo sukho.

As formações são impermanentes,
sujeitas a surgir e cessar.
Tendo surgido elas cessam -
a tranqüilização delas é uma bênção.

[...] Assim que nascemos, estamos mortos. Nosso nascimento e morte são somente uma coisa. Tal como uma árvore: quando há uma raiz tem que haver galhos. Quando há galhos tem que haver uma raiz. Não se pode ter uma sem a outra. É um pouco engraçado ver como face à morte as pessoas ficam tão angustiadas e distraídas, chorosas e tristes e no nascimento tão felizes e contentes. É a delusão, ninguém nunca vê isso com clareza. Eu penso que se você realmente quer chorar, então seria melhor fazê-lo quando alguém nasce. Pois na verdade o nascimento é morte, morte é nascimento, a raiz é o galho, o galho a raiz. Se você precisa chorar, chore pela raiz, chore pelo nascimento. Veja com atenção: se não houvesse nascimento não haveria morte. Você pode entender isso?

[...] Mesmo que você não queira soltar, tudo está indo embora de qualquer jeito. Você pode ver como todas as diferentes partes do seu corpo estão tentando escapar? Tome o seu cabelo: quando você era jovem ele era grosso e preto, agora ele está caindo. Está indo embora. Os seus olhos costumavam ser bons e fortes e agora eles estão fracos, a sua vista embaçada. Quando os órgãos já não aguentam mais, eles vão embora, esta não é a casa deles. Quando você era uma criança os seus dentes eram sadios e firmes agora eles estão balançando, talvez você tenha dentadura. Os seus olhos, ouvidos, nariz, língua - tudo está tentando ir embora porque esta não é a casa deles. Você não pode fazer uma morada permanente em um sankhara, você pode permanecer por pouco tempo e depois tem que partir. O mesmo que um inquilino observando a sua pequena casa com os olhos enfraquecidos. Os seus dentes já não estão bem, os seus ouvidos já não estão bem, o seu corpo já não está saudável, todos estão partindo.

Portanto você não precisa se preocupar com nada, porque este não é o seu verdadeiro lar, é somente um abrigo temporário. Tendo vindo a este mundo, você deveria contemplar a sua natureza. Tudo o que existe está se preparando para desaparecer. Olhe para o seu corpo. Existe algo que ainda se encontre na sua forma original? A sua pele está como costumava estar? O seu cabelo? Não é o mesmo, é? Para onde foi tudo? Assim é a natureza, como as coisas são. Quando o tempo chega, as formações seguem o seu próprio curso. Não há nada neste mundo com o qual se possa contar - é um ciclo interminável de perturbações e problemas, prazeres e dores. Não há paz.

Quando não temos um verdadeiro lar somos como um viajante sem rumo, indo em uma direção por algum tempo e depois para outra direção, parando por algum tempo para depois continuar outra vez. Até que regressemos ao nosso verdadeiro lar nos sentimos desconfortáveis com o que quer que estejamos fazendo, da mesma forma como uma pessoa que saiu do seu vilarejo para uma viagem. Somente quando regressa outra vez para casa é que ela pode realmente relaxar e estar em paz.

Em nenhum lugar do mundo pode ser encontrada a paz verdadeira. Os pobres não têm paz e nem os ricos. Os adultos não têm paz, as crianças não têm paz, aqueles com pouca escolaridade não têm paz e nem os que têm muito estudo. Não existe paz em lugar nenhum. Essa é a natureza do mundo.

[...] Porque as coisas são impermanentes e não trazem satisfação? É porque são anatta, não-eu.

[...] Quando você se der conta de que o mundo é assim, você sentirá que é um lugar que incomoda muito. Quando você se der conta de que não há nada estável ou sólido em que você possa confiar, você se sentirá incomodado e desencantado. Sentir-se desencantado no entanto não significa que você terá aversão. A mente estará clara. Ela vê que não existe nada que possa ser feito para remediar esse estado de coisas, assim é o mundo. Sabendo disso, você pode soltar o apego, soltar com a mente que não está feliz nem triste mas em paz com os sankharas, pois vê com sabedoria a sua natureza de mudança constante.

Anicca vata sankhara – todas as formações são impermanentes. Colocando de maneira simples: impermanência é o Buda. Se vemos um fenômeno impermanente com clareza, veremos que ele é permanente, permanente no sentido de que a sua sujeição à mudança é constante. Essa é a permanência que os seres vivos possuem. Existe transformação contínua, da infância através da juventude até a velhice, e essa mesma impermanência, essa disposição à mudança é fixa e permanente. Se você encará-lo dessa forma o seu coração estará em paz. Não é somente você que tem que passar por isso, são todos.

Quando você considera as coisas dessa forma, você as verá como um incômodo e o desencantamento irá surgir. O seu deleite com o mundo dos prazeres sensuais irá desaparecer. Você verá que se tiver muitas coisas, terá que abandonar muitas coisas; se tiver poucas, abandonará poucas. A riqueza é somente riqueza, uma vida longa é somente uma vida longa, elas não têm nada de especial.

O que é importante é que façamos o que o Buda nos ensinou e que construamos o nosso lar, construi-lo utilizando o método que eu estive lhe explicando. Construa o seu lar. Solte tudo. Solte até que a mente alcance a paz que está livre de avançar, livre de retroceder e livre de ficar imóvel. O prazer não é o nosso lar, a dor não é o nosso lar. O prazer e a dor, ambos, decaem e desaparecem.

O Grande Mestre viu que todos os sankharas são impermanentes e por isso ele nos ensinou a soltar o nosso apego por eles. Quando chegarmos ao fim das nossas vidas, não teremos escolha de qualquer maneira, não seremos capazes de levar nada conosco. Portanto não seria melhor se soltar das coisas antes disso? Elas são somente um fardo pesado que carregamos; porque não se desfazer desse fardo agora? Porque o esforço de carregá-lo conosco? Solte tudo, relaxe e deixe que a sua família tome conta de você.

[...] Portanto hoje, todos vocês, crianças e parentes aqui reunidos, juntos, vejam como os seus pais se tornam as suas crianças. Antes vocês eram as crianças deles; agora eles são as crianças de vocês. Eles ficam cada vez mais velhos até que se convertem em crianças novamente. A sua memória fica falha, os olhos já não vêm tão bem e os seus ouvidos não escutam, às vezes misturam as palavras. Não deixem que isso os perturbe. Todos vocês que cuidam dos doentes têm que aprender a soltar. Não se agarrem às coisas, simplesmente soltem-nas e que sigam o seu próprio curso. Quando uma criança é desobediente, às vezes os pais permitem que ela faça o que quer como forma de manter a paz, para fazê-la feliz. Agora os seus pais são como essa criança. A memória e a percepção deles está confusa. Certas vezes eles confundem os seus nomes, ou vocês lhes pedem para trazer uma xícara e eles trazem um prato. É normal, não fiquem transtornados por isso.

[...] Hoje eu lhes trouxe o Dhamma como um presente nesta ocasião de enfermidade. Não tenho coisas materiais para lhes dar; parece que já existe abundância dessas coisas na casa e assim eu lhes dou o Dhamma, algo que possui um valor de longa duração, algo que vocês nunca conseguirão esgotar. Tendo recebido de mim, vocês podem passá-lo adiante para tantos outros que quiserem e ele nunca será esgotado. Assim é a natureza da Verdade. Estou feliz por dar-lhes este presente do Dhamma e espero que lhes dê força para lidar com a sua dor.

Fonte:http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/verdadeiro_lar.php


Texto selecionado por Dafne Pires Pinto para estudo em Loja realizado em 23.06.15

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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