quarta-feira, 19 de maio de 2010

A natureza do Dzogchen - parte 2

A visão que essas transmissões induzem não é a de uma mandala tântrica de budas, divindades-budas ou formas padronizadas de luz. Não existe o menor indício de simbolismo, seja abstrato ou antropomórfico. Não existe algo para se ver que tenha alguma especificidade cultural. Não existe uma infra-estrutura abstrusa e metafísica articulada à visão. Nada existe que não seja intrínseco à natureza da consciência ordinária, à natureza da luz comum do dia. Na verdade, não existe vestígio de qualquer coisa absolutamente. Não existe estrutura para a visão, de nenhum tipo - a natureza da transmissão é, em última análise, desconstrutiva.

"Simplicidade" é a única palavra que pode descrevê-la. É uma visão holística no sentido de que é totalmente inclusiva e não-dual. Constitui-se da percepção pura e direta da natureza da mente a cada instante da experiência.

A essência da transmissão é a percepção direta e simples. No momento intemporal do aqui e agora não existe espaço para projeção e filtragem, não existe tempo para avaliação, reflexão e julgamento. É nisto que reside a perfeição natural. É aqui que reside o segredo da realidade não-dual. Quando se fala em misticismo não-dual , o que se indica nada mais é que a clara luz intrínseca à percepção do dia-a-dia; apesar dessa percepção e dessa função de consciência trazerem uma resolução definitiva para a condição humana. Todas as suas dicotomias e contradições são resolvidas à luz da consciência unitária em si mesma. Se é possível dizer que a concepção e o ato existem, certamente não há um hiato entre o início do ato e a sua realização. O momento unitário é a sua própria recompensa. Tempo e espaço se extinguem gradualmente na plenitude inclusiva do momento. A incorporação se extingue em cada momento. O paradoxo e as antinomias do gênero se extinguem na unidade do momento. Esta é a transmissão da Grande Perfeição, que não impõe uma nova estrutura condicionada à mente, mas revela o que já é primordialmente presente. Ela advém por via da confirmação, portanto daquilo que sempre se soube: que a natureza do ser, a natureza da realidade e a natureza da mente são imanentes como perfeição consumada.

Não existe algo nessa transmissão que possa ser apreendido, conceitualizado, cultivado ou praticado. Assimilar a transmissão no intelecto lógico e usá-la como uma filosofia ou doutrina é perder o foco, exatamente como se perde a magia da poesia com a análise. A transmissão em si é um evento intemporal, como qualquer momento da experiência, que surge como espontaneidade, sem causa ou condição, por isso não pode evoluir para um tipo de yoga ou prática de meditação. A transmissão não pode se transformar em religião: não existem dogmas de fé. Nem a devoção, nem a fé são condições para sua revelação. Ela não é interpretada ou estruturada por rituais. Ela é simplesmente uma compreensão existencial do aqui e agora.

As Cinco Transmissões de Vairotsana são composições de preceito desconstrutivo, que expressam a visão do Dzogchen sobre a natureza da mente. O impacto fundamental dessas transmissões num leitor receptivo pode abrir-lhe uma porta para a visão da Grande Perfeição. A mente racional, entretanto, pode criar objeções a um estado tão sem referência e a um sentido concomitante de perda de identidade. [continua]

DOWMAN, Keith. Radical Dzogchen / Eye of the Storm - Vairotsana's Five Original Transmissions, p. xiv-xv, Vajra Publications, Kathmandu, Nepal, 2006. Tradução Roberto Carlos de Paula.


"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

Nenhum comentário: