quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Satsang

Extraído do livro “A Dança do Vazio”, de Adyashanti

Reunimo-nos aqui para reconhecer que a Verdade é eterna. Estar em Satsang significa associar-se à Verdade. Quando compreendemos isso, podemos nos reunir aqui com uma intenção comum.

Quando você vem à satsang associar-se à Verdade, você está disposto a perguntar "Quem eu sou?" ou "O que eu sou?", sem qualquer roteiro, papel ou história sobre quem e o que você é. Você se libera do roteiro do que você pensa que a sua vida é. Todo sentido de identidade tem um roteiro. Alguns papéis nesse roteiro podem ser "Sou um homem bem sucedido", "Sou uma mulher bem sucedida", "Sou um fracassado", "Sou uma pessoa cujos relacionamentos nunca dão certo", "Sou um buscador espiritual e já vivi muitas experiências espirituais". Cada um de nós tem um papel específico e as nossas histórias sobre esse papel. Mas os nossos papéis e as nossas histórias não são o que somos.

Uma coisa muito bonita sobre a satsang é que ela é uma oportunidade para você acordar dessa história de eu. Quando você começa a perceber o que é a Verdade, você reconhece que a Verdade não é uma abstração. Ela não está ali adiante, longe de você. Ela não é algo para você aprender amanhã. Você descobre que a Verdade é quem você é, sem a sua história, sem o seu roteiro, exatamente agora.

A verdadeira benção desse encontro é a oportunidade de você ser interrompido exatamente agora e não amanhã. Despertar para a verdade do seu ser não é algo a ser atingido no futuro. Não é algo para o qual você se prepara, nem algo que você ganha, nem algo que você merece. Despertar é uma mudança radical no âmbito da identidade. Você pensa que você é você, mas você não é. Você é o ato de ser eterno. A hora de despertar é agora. Não é amanhã. É agora.

Quando o seu euzinho começa a perceber porque ele está aqui na satsang, ele pensa: "Isso não é lugar para mim. Eu pensei que tivesse vindo aqui para ganhar alguma vantagem, mas não há vantagem alguma". É uma ideia revolucionária para qualquer um de nós ir a algum lugar ou fazer alguma coisa sem estar ganhando alguma vantagem. Não que haja algo errado em obter vantagens às vezes. Mas o que viemos ver na satsang é que a nossa felicidade e liberdade nada têm a ver com ganhar algum tipo de vantagem. Em vez disso, têm tudo a ver com nos permitirmos experimentar nesse exato momento o que é estar completamente desarmados das nossas estratégias. E isso inclui a nossa estratégia de nos livrarmos de estratégias. Essa é uma oportunidade de interrompemos todas as estratégias de vir a ser.

A bênção aqui é acolher a experiência direta do nosso euzinho sendo desarmado. Quase em todos os lugares que vamos, essa sensação de estar sendo desarmado é evitada, encoberta e até mesmo não comentada ou reconhecida. Aqui podemos perguntar "O que eu sou e quem eu sou agora, sem a minha história, sem a minha demanda neste momento, sem a minha esperança neste momento, sem o meu roteiro?" A mente, se fosse dizer alguma coisa, responderia: "Eu não sei". Isto porque a mente não sabe o que ela é quando ela está desarmada. Ela não sabe quem ou o que ela é, sem um papel ou personagem para atuar. O ator que está encenando tudo isso chama-se "eu". Mesmo quando respondemos ou acolhemos o chamado da satsang, esse ator continua se mantendo e a tendência da mente é dizer "Eu estou aqui." Mas quando procuramos o que está por trás desse "Eu estou aqui" é como se gritássemos dentro de uma sala vazia e existisse um eco: "Eu estou aqui". E toda vez que procurássemos, encontraríamos apenas o eco. Quem? " Eu estou aqui." Quem?

Então você começa a se libertar ainda mais, a desarmar o seu empenho nesse jogo mais sutil de pensar que você é um ator por trás de um papel. Você começa a ver que isso é só outra narrativa. Se você realmente prestar atenção, há uma oportunidade maravilhosa de estar totalmente desarmado, porque você não encontrará o ator nem absolutamente ninguém.

Quando acontece esse desarmamento, você permite que a experiência indizível se apresente. Esta é a experiência indizível de ser e você pode experimentá-la por você mesmo. Você perceberá que isso não é um roteiro ou papel, nem pauta do dia, nem demanda do momento. Também não é um ator. O que você é antecede a sua ideia de eu.

Geralmente supõe-se que o que você é sem o seu papel está escondido em algum lugar. E assim quando você abandona esse papel, quando você procura a verdade do seu ser por trás desse personagem chamado "eu", você pode pensar que existe alguém a ser encontrado e que de alguma maneira ele está escondido em algum lugar. Se isso acontece, quando você penetra nesse estado de abertura, você pode pensar: "Não há ninguém aqui, mas de qualquer maneira eu vou procurar. Vou procurar o Ser, a Verdade, o eu iluminado." Procurar o eu iluminado é só mais um papel, só mais um roteiro. Isso faz parte do roteiro do buscador espiritual. Agora se você larga esse roteiro para lá, o que você é? Claro que a razão de eu pedir a você que investigue o que é você, é porque neste momento você vive a resposta. Nada do que eu lhe disser substitui essa vivacidade, esse viver a resposta. É por isso que muitas vezes se diz que só as pessoas que não sabem quem elas são é que estão despertas. Todas as demais já sabem quem elas são. Elas são os seus roteiros, sejam eles quais forem, inclusive o roteiro "Eu não estou desperto." Despertamento é não ter um roteiro; é saber que, no fim das contas, um roteiro é só um roteiro, uma história é só uma história. Existe ​​um estado em que a mente diz "Eu não tenho ideia de quem eu sou", porque ela não consegue encontrar o roteiro correto. Despertar é a percepção que acontece depois que a mente diz "Eu desisto. Eu não tenho ideia de quem eu sou." Quando você começa a entender isso, você percebe que se você abandonar o seu roteiro de ser alguém que ouve ou alguém que diz alguma coisa, se você simplesmente abandonar esse roteiro por um momento, você não é quem você julgava ser. Vir à satsang é uma coisa muito revolucionária a ser feita por essa ideia de "eu", porque o eu pensa que irá obter a felicidade através da mudança de roteiro, de papel , de identidade, mesmo que essa identidade seja não ter identidade. Ele vai fazer de tudo para manter em jogo a bola chamada "eu".

Nossa cultura espiritual tornou-se muito complexa. Usamos conceitos espirituais cada vez mais sutis em nossas discussões. Muitas pessoas substituíram conceitos antigos e exagerados como Deus e pecado por palavras como consciência e condicionamento, que parecem mais leves. Hoje uma pessoa espiritualizada mantém esses conceitos extremamente abstratos. Quanto mais abstrato o conceito, mais transparente ele é. É difícil fazer uma imagem de consciência e colocá-la num altar. O altar continua se esvaziando. Se você quer ver a Verdade, não coloque nada no altar. O melhor altar de todos é aquele que nada possui.

No entanto, mesmo esses conceitos abstratos, caso a pessoa se identifique com eles, podem fascinar e impedir que a mente seja desarmada. Mesmo quando ocorre uma experiência súbita de despertamento, é muito fácil para a mente penetrar nesse espírito ativo de despertamento, colocar um carimbo nele e transformá-lo numa coisa: "Isso é despertamento, isso é percepção, isso é consciência, isso é o Eu". A mente vai chamá-lo de qualquer coisa, só para não se desarmar. Assim vemos que até mesmo o conceito mais sagrado, se não for mantido de modo muito leve, ele pode se tornar uma defesa sutil contra o estado presente de ser, que não pode ser fixado em termos de conceito.

Quando você pergunta "Quem sou eu sem o conceito de eu?" e " O que sou sem o eu?", instantaneamente pode se abrir o indizível, o não-conceito. Permita-se à experiência desse instante, porque essa é a resposta viva para as perguntas "Quem eu sou?" e "O que eu sou?" Não é uma resposta conceitual sem vida; é uma resposta viva. A resposta está viva! Nesse momento do despertamento radiante, há um mistério desdobrando-se em si mesmo momento por momento. Esse estado vivo de ser - chame-o como quiser - é a única coisa que você sempre foi e sempre será e o que você é exatamente agora. Você não é um ser humano. Você é o ato de ser que aparece na condição de humano.

A verdadeira pergunta parece coisa de criança: "Isso é realmente quem eu sou?" Não pense sobre isso, mas permita-se desarmar-se cada vez mais através da pergunta. Quanto mais sinceramente você experimentar e penetrar no desconhecido, mais desarmado você estará. Você já percebeu que a mente não sabe o que fazer? Acolha essa sensação de desconhecimento e não se preocupe com o fato de desarmar-se. Observe que bem no meio disso tudo, existe um despertamento vívido e radiante. Misteriosamente, quando você acolhe o reconhecimento desse despertar, você consegue despertar nessa condição.

Quando você acolhe o despertamento, você descobre que ele brinca com a sua vida. O despertamento não segue a pauta do seu euzinho, que possui todas as ideias sobre isso ou aquilo que acontece quando você desperta. O despertamento não dá a minima para as pautas que você tem. Ele se movimenta e não escuta aquilo que você quer. E agradeça por ele não escutar. Você descobre que o despertamento tem o seu próprio movimento, o qual eu suponho que seja a verdadeira renúncia: seguir esse movimento. Esse é o significado da frase "Seja feita a vossa vontade".

A mente pode ficar preocupada sobre desarmar-se e largar todos os seus conceitos e roteiros. Pode ser que ela diga: "Não consigo o que quero." E eu digo que é uma grande sorte não se conseguir o que se quer! De tudo que eu queria, eu nada consegui com o despertar. Pensei que o despertar iria resolver um monte de coisas. Eu tinha muitas ideias sobre o que o despertar iria me dar. Esqueça! Não que você não consiga o que você quer, mas você não se importa mais se você consegue isso ou não. Eu não posso pensar numa coisa sequer que eu pensava que iria conseguir. A única coisa que de fato aconteceu foi eu não mais me importar com isso. Era um sonho horrendo pensar que eu precisava dessas coisas para ser feliz!

Satsang é acolher o mistério do seu próprio ser.

Isso contrasta com o que frequentemente se diz da espiritualidade: afastar o seu próprio ser, definir o mistério, adorná-lo com pérolas e flores etc para que ele possa parecer um poderoso mistério. Satsang é acolhida, uma acolhida em que se rompe a identificação, em que o mistério percebe: "Ah, isso é o que eu sou! Eu pensava que eu era aquela pessoa que tinha aquela pauta de compromissos. Eu pensava que eu era aquele ator encenando papéis. Eu pensava que eu era esses personagens." Nada disso é verdade. Quando termina o papel "Eu sou um ser humano", chama-se isso de morte. É muito mais fácil você deixar esse papel morrer antes que o corpo morra. É muito mais fácil você colocá-lo para dormir agora. Através da satsang, você pode despertar para o ato de ser o que você é eternamente e viver a verdadeira vida.

Santa Cruz, Califórnia, 3 de junho de 2001

ADYASHANTI.  Emptiness dancing, pp. 13-20, Sounds True, Inc., Canada:  2006, tradução Roberto Carlos de Paula.  Texto selecionado para estudo em Loja realizado em  12.08.14.

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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