quinta-feira, 10 de julho de 2008

A HUMANIDADE PODE MUDAR?

DAVID BOHM: Escutamos da mesma maneira como fazemos identificações, isto é, escutamos de modo ge- ral através do passado, através de nossas idéi- as anteriores, através daquilo que conhece- mos?

IS: Se conseguimos nos abrir por completo e simplesmente escutar.

K: Ah!, não. Quando come, a senhora come porque está com fome. O estômago recebe o alimento - não há idéia de recebê-lo. Portanto, pode a senhora escutar – ouvir - sem a idéia de receber, de aceitar, de negar ou de argumentar – simplesmente escutar a declaração? Ela pode ser falsa, pode ser verdadeira, mas simplesmente escute-a. A senhora pode fazer isso?

IS: Eu diria que sim.

K: Nesse caso, se escuta assim, o que sucede?

IS: Nada.

K: Não, madame, não diga imediatamente "nada”. O que aconte- ce? Eu escuto uma declaração de que o pensamento é a origem do ego, após uma explicação cuidadosa do movimento do pensa- mento, que se identifica com a forma, o nome, com isso e aquilo, e com outras coisas. Então, após explicar isso com todo o cuida- do, é dito que o pensamento é a própria origem do ego. Assim, como a senhora recebe ou escuta a verdade desse fato, de que o pensamento é a origem do ego? Isso é uma idéia, uma conclusão, ou um fato absoluto, irrevogável?

WR: Se me pergunta, é um fato. Escuto-o, recebo-o, compreen- do-o.

K: O senhor escuta como budista? Perdoe-me por colocar essa pergunta dessa maneira.

WR: Não sei.

K: Não, o senhor tem que saber!

WR: Eu não estou me identificando com coisa alguma. Não o estou escutando como budista ou não-budista.

K: Estou lhe perguntando, senhor, se está escutando como um budista, como uma pessoa que leu muito sobre Buda e sobre o que ele disse, e portanto se está comparando – espere um minu- to – e assim se afastou do escutar. Então, está escutando – não estou sendo pessoal, senhor, perdoe-me - está prestando aten- ção?

WR: Oh!, o senhor tem toda a liberdade comigo – não vou inter- pretá-lo mal e o senhor não fará o mesmo comigo. Não tenho ne- nhum receio disso.

K: Não, não me importo absolutamente com que me interprete mal; posso corrigir isso. [risos] O senhor está prestando atenção à idéia, às palavras e às implicações dessas palavras, ou está prestando atenção sem nenhum sentido de compreensão verbal, pela qual passou rapidamente, e diz: "Sim, compreendo a verdade absoluta disso?"

WR: Foi isso o que eu disse.

K: Disse?

WR: Sim.

K: Senhor, nesse caso o assunto está terminado. É como ver algo tremendamente perigoso, e ponto final – o senhor não a toca. Eu me pergunto se o senhor vê isso.

DB: Parece-me que há uma tendência a escutar através da pala- vra, como o senhor disse, e que a palavra identifica, e que essa identificação ainda continua enquanto o indivíduo pensa que está escutando. Esse é o problema, e é muito sutil.

WR: Em outras palavras, escutar da mesma maneira como se dá quando a palavra interfere no ato de ver, nesse sentido.

K: Não, senhor, eu escuto. Quando o senhor me diz alguma coisa que disse Buda, escuto. E digo: “Ele está apenas citando alguma coisa que Buda disse, mas não está dizendo coisa alguma que quero saber.” O senhor está me falando sobre Buda, mas eu quero saber o que o senhor pensa, não o que Buda pensou, porque esta- mos estabelecendo um relacionamento entre nós dois, e não en- tre o senhor, Buda e eu. Será que compreende isso?

W: Isso significa que o senhor também esteve escutando com ou- tro pensamento em mente.

K: Eu estava escutando o que o senhor dizia sobre Buda. Eu esta- va simplesmente escutando. Não sei. O senhor está citando e, provavelmente, o que cita é exato; então está citando correta- mente, e assim por diante, mas não está se revelando a mim, ao passo que eu estou me revelando ao senhor. Por conseguinte, temos um relacionamento por intermédio do Buda, não um relacio- namento direto. Eu amo meu cão e o senhor também gosta desse cão, mas o seu gostar desse cão significa que nosso relaciona- mento baseia-se nesse animal. Não sei se estou me fazendo cla- ro - não estou comparando Buda ao cão!

IS: O que o senhor está procurando é nossa reação pessoal, es- piritual, empírica, àquela declaração.

K: Não, sua experiência "pessoal" é também a experiência de to- das as pessoas. Ela não é pessoal.

IS: Embora seja dada individualmente.

K: Se você e eu sofremos, isso é sofrimento, não o meu sofri- mento e o seu. Mas quando há identificação com o sofrimento, então ele passa a ser "meu" sofrimento, e eu digo que tenho de me livrar dele. Mas, como seres humanos no mundo, nós sofre- mos. Mas estamos nos afastando para algum outro lugar...

DB: Parece-me que essa questão de identificação é a principal. Ela é muito sutil e, a despeito de tudo o que o senhor disse, a identificação ainda continua.

K: Naturalmente.

DB: Ela parece ser inerente a nós.

IS: E isso levanta a questão sobre se essa identificação pode ou não ser eliminada.

KRISHNAMURTI, J. A humanidade pode mudar?, pp. 67-70, Ed. Nova Era, Rio de Janeiro, 2003. Texto apresentado por Eliane Zaranza - MST para estudo em grupo realizado na Loja Jinarajadasa em 8 de julho de 2008.

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