Este breve texto, de Namkhai Norbu Rinpoche, foi escrito originalmente em tibetano. Depois foi traduzido para o italiano por Adriano Clemente e para o inglês por John Shane, e publicado como panfleto por ocasião da primeira Conferência Internacional de Medicina Tibetana, realizada em Veneza e Arcidosso, na Itália, em 1983. É uma instrução precisa e detalhada do aspecto mais essencial da prática Dzogchen. Uma homenagem ao meu Mestre!
Um praticante do Dzogchen precisa ter presença e plena atenção. Até que se conheça verdadeiramente a própria mente e que se possa governá-la com plena atenção, mesmo que se forneçam várias explicações da realidade, elas irão permanecer simplesmente como tinta impressa no papel ou tema para debate entre intelectuais, sem qualquer possibilidade do surgimento de uma compreensão do seu verdadeiro significado.
No Kun-byed rgyal-po, um tantra do Dzogchen, é dito que: "A Mente é aquilo que cria o Samsara e o Nirvana, portanto, é preciso conhecer esse Rei que cria tudo!" Dizemos que transmigramos, que passamos de um lugar para outro, na visão impura e ilusória do Samsara, mas, na realidade, é apenas a nossa mente que está transmigrando, passando de um lugar para outro.
Mais uma vez, no que diz respeito à pura Iluminação, é a nossa própria mente, purificada, que percebe a Iluminação. Nossa mente é a base de tudo e a partir dela tudo surge: Samsara e Nirvana, seres sensíveis, comuns, e Seres Iluminados.
Considere o modo que os seres transmigram na visão impura do Samsara: embora a Essência da Mente, a verdadeira natureza da mente, seja desde o princípio totalmente pura, mesmo assim, a mente pura está temporariamente obscurecida pela impureza da ignorância, não existe um auto-reconhecimento do próprio Estado Primordial.
Por essa falta de auto-reconhecimento surgem os pensamentos e ações ilusórias, criadas pelas paixões. Assim, diversas causas cármicas negativas se acumulam e, já que a maturação dos seus efeitos é inevitável, a pessoa sofre amargamente, transmigrando nos seis estados de existência. Assim, não reconhecendo que o próprio Estado é a causa da transmigração, a pessoa se torna, através dessa causa, escrava de ilusões e distrações. Condicionada pela mente, ela fica habituada intensamente às ações ilusórias. Então, no que diz respeito à pura iluminação, além da própria mente, não existe uma luz ofuscante que venha de fora para dentro e faça a pessoa acordar.
Se a pessoa reconhecer que o seu próprio Estado Primordial intrínseco é puro desde a origem e que ela apenas está temporariamente obscurecida por impurezas, se ela mantiver a presença desse reconhecimento sem ficar distraída, então, todas as impurezas irão se dissolver. Essa é a essência do Caminho. Então, a qualidade inerente da grande pureza original do Estado Primordial se manifesta e a pessoa se torna um mestre dessa manifestação como uma experiência vivida.
Essa experiência do conhecimento real da condição original autêntica ou da verdadeira plena atenção do Estado Primordial é o que se chama Nirvana. Então, a Iluminação não é algo senão a própria mente em sua condição purificada. Por essa razão, Padma Sambhava disse: "A mente é a criadora do Samsara e do Nirvana. Fora da mente não existe nem Samsara nem Nirvana."
Tendo estabelecido que a base do Samsara e do Nirvana é a mente, segue-se que tudo aquilo que parece concreto no mundo, que toda a solidez aparente dos seres, nada mais é do que uma visão ilusória da própria mente. Assim como uma pessoa doente do fígado vê algo como sendo amarelo, mesmo que objetivamente essa não seja a verdadeira cor do objeto, exatamente do mesmo modo, como resultado de causas cármicas particulares de seres sensíveis, diversas visões ilusórias se manifestam.
Desse modo, se uma pessoa fosse apresentada a um ser proveniente de cada um dos seis estados de existência, na margem de um mesmo rio, nem a pessoa nem o ser veriam aquele rio da mesma maneira, já que cada um teria causas cármicas diferentes. Os seres do fogo infernal veriam um rio de fogo; os seres do inferno gelado veriam um rio de gelo; os seres do reino dos espíritos famintos veriam um rio de sangue e pus; os animais aquáticos veriam o rio como um lugar para viver; os seres humanos veriam o rio como água de beber; enquanto os semideuses o veriam como uma arma e os deuses como néctar. Isso mostra que, na realidade, nada existe como concreto e objetivo.
Portanto, entendendo verdadeiramente que a raiz do Samsara é a mente, a pessoa deve se dispor a arrancar essa raiz. Ao reconhecer que a mente é a essência da Iluminação, a pessoa atinge a liberação. Assim, estando atento que a base do Samsara e do Nirvana é apenas a mente, a pessoa toma a decisão de praticar. Nesse ponto, com muito rigor e determinação, é necessário manter plena atenção, contínua e presente, sem distrair-se.
Por exemplo, se a pessoa quer interromper o fluxo de um rio, ela tem que bloquear a nascente, de tal modo que o fluxo seja interrompido definitivamente; bloquear qualquer outro trecho do rio não dará o mesmo resultado. De modo semelhante, se queremos cortar a raiz do Samsara, precisamos cortar a raiz da mente que o cria; caso contrário, não há qualquer outro modo de nos libertarmos do Samsara. Se queremos dissolver todos os sofrimentos e obstáculos que surgem a partir das nossas ações negativas, precisamos cortar a raiz da mente que os produziu.
Se não fizermos isso, mesmo que realizemos ações virtuosas com o nosso corpo e com a nossa voz, não haverá resultado, senão um benefício momentâneo e passageiro. Além disso, não tendo cortado a raiz das ações negativas, elas se acumulam mais e mais, exatamente do mesmo modo que podar as folhas e galhos de uma árvore não a faz secar e morrer. Com certeza, se não arrancar a raiz, a árvore continuará a crescer.
Se a mente, o Rei que cria tudo, não for deixada em sua condição natural, mesmo que a pessoa pratique o método tântrico nos estágios de 'Desenvolvimento' e 'Aperfeiçoamento', inclusive recitando muitos mantras, ela não estará no caminho da liberação. Se alguém quer conquistar um país, precisa subjugar o Governante ou o Deus daquele país; dominar só uma parte da população ou algum setor público não irá concretizar esse objetivo.
Se a pessoa não mantém uma presença contínua e deixa-se dominar pelas distrações, jamais irá se libertar do Samsara infinito. Por outro lado, se ela não se permite dominar pela negligência e pelas ilusões, mas tem autocontrole, sabendo permanecer no verdadeiro Estado Presente de plena atenção, então, ela reunirá em si mesma a essência de todos os Ensinamentos, a raiz de todos os Caminhos.
Como todos os vários fatores da visão dualista, por exemplo, Samsara e Nirvana, felicidade e sofrimento, bem e mal, surgem a partir da mente, podemos concluir que a mente é a sua base fundamental. Por isso, a não-distração é a raiz do Caminho e o princípio fundamental da prática. Foi seguindo esse caminho supremo de presença contínua que todos os Buddhas do passado se iluminaram. Será seguindo esse mesmo caminho que os Buddhas do futuro irão se iluminar. Os Buddhas do presente, seguindo esse caminho, estão iluminados. Sem seguir este Caminho, não é possível atingir a Iluminação.
Portanto, como a continuação da presença no verdadeiro Estado Primordial é a essência de todos os Caminhos, a raiz de todas as meditações, a conclusão de todas as práticas espirituais, o extrato de todos os métodos esotéricos, o cerne de todos os ensinamentos definitivos, é necessário procurar manter essa contínua presença, sem ficar distraído. Isto significa: não siga o passado, não antecipe o futuro e nem siga os pensamentos ilusórios que surgem no presente, mas volte-se para si mesmo. A pessoa deve observar a sua própria condição verdadeira e manter plena atenção dessa condição tal como é, além das limitações conceituais dos “três tempos”. A pessoa tem que permanecer na condição inalterada do seu próprio estado natural, livre da impureza dos julgamentos sobre 'ser e não-ser', 'ter e não-ter', 'bom e ruim', e assim por diante.
A condição original da Grande Perfeição está verdadeiramente além das concepções limitadas dos “três tempos”, mas, aqueles que estão começando a praticar, de qualquer modo, ainda não têm esta plena atenção e acham difícil experimentar o reconhecimento do seu próprio Estado Primordial. Portanto, é muito importante não se permitir distrair pelo pensamento nos "três tempos".
Se, para não se distrair, a pessoa tenta eliminar todos os seus pensamentos, fixando-se em buscar um estado de calma ou uma sensação de prazer, é necessário lembrar que isso é um erro: a própria 'fixação' em que a pessoa está mergulhada nada mais é que um outro pensamento.
A pessoa deve relaxar a mente, mantendo desperta somente a presença do seu próprio Estado Primordial, sem permitir-se dominar por qualquer pensamento, de qualquer espécie. Quando a pessoa está verdadeiramente relaxada, a mente se encontra em sua condição natural. [continua]
"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.
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