segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sobre as relações (Jiddu Krishnamurti)


PERGUNTA: Falais frequentemente de relações. Que significação dais a isto?

KRISHNAMURTI: Em primeiro lugar, não existe o estar isolado. Ser é estar em relação, e sem relações não há existência. Que enten­demos por relações? Uma relação recíproca de desafio e reação entre duas pessoas" entre vós e mim, o desafio que vós me lançais e que eu aceito ou a que reajo e, também, o desafio que vos lanço. As relações entre duas pessoas criam a sociedade; a sociedade não é independente de vós e de mim; a massa, em si, não é uma entidade separada, mas vós e eu, em nossas relações, criamos a massa, o grupo, a sociedade. Relações é o percebimento da reciprocidade entre duas pessoas. Em que se baseiam essas relações, geralmente? Não se baseiam na chamada interdependência, na assistência mútua? Pelo menos dizemos que elas são ajuda mútua, assistência mútua, mas na realidade, abstraindo das palavras, abstraindo da corti­na emocional que estendemos uns diante dos outros, em que se baseiam elas? Na satisfação mútua, pois não? Se não vos agrado, vós vos livrais de mim, se vos agrado, vós me aceitais, como es­poso, como vizinho, como amigo. Isto é um fato.

Que é isso a que se chama família? É evidentemente uma relação de intimidade, de comunhão. Na vossa família, nas vossas relações com vossa esposa, vosso marido, há comunhão? Por certo, é isto que se entende por relações, não é verdade? Relações signi­fica comunhão isenta de temor, liberdade para nos compreender­mos uns aos outros, para nos comunicarmos diretamente. Relações, obviamente, significa: estar em comunhão com outrem. Estais em comunhão? Estais em comunhão com vossa esposa? Talvez este­jais, fisicamente, mas isso não são relações.  Vós e vossa esposa estais vivendo em lados opostos de uma muralha de isolamento, não é verdade? Tendes vossos interesses e ambições pessoais, e ela tem os seus. Estais, os dois, vivendo atrás da muralha e vez por outra vos olhais por cima dela - a isso chamais estar em relação. Isto é um fato, não? Podeis engrandecê-lo, atenuá-lo, inventar novos conjuntos de palavras para o descreverdes, mas o fato é este; vós e outra pessoa estais vivendo no isolamento e a essa vida de isolamento chamais relações.

Se há verdadeiras relações entre duas pessoas, vale dizer, se há comunhão entre elas, o que daí decorre é de enorme significa­ção. Não há então isolamento; há amor, e não responsabilidade ou dever. Só as pessoas que vivem isoladas, atrás das suas mu­ralhas, falam de dever e responsabilidade. O homem que ama não fala de responsabilidade: ama. Por conseguinte, divide com outro suas alegrias, seus sofrimentos, seu dinheiro. São assim vossas famílias? Há comunhão direta com vossa esposa, com vossos filhos? Evidentemente, não há. Portanto, a família só serve de pretexto para a continuação de nosso nome ou tradição, para nos dar o que desejamos, sexual ou psicologicamente, e se torna assim um meio de autoperpetuação, um meio de conservar o nome. Isto já é uma espécie de imortalidade, uma espécie de permanência. A família é também utilizada como meio de satisfa­ção. Exploro outrem, sem piedade, no mundo dos negócios, no mundo político ou social, fora de casa, e em casa procuro ser bom e generoso. Que absurdo! Ou, o mundo me cansa, quero paz, e refugio-me no lar. Sofro no mundo e busco conforto no lar. Servem-me pois as relações como meio de satisfação, o que significa que não desejo ser perturbado pelas minhas relações.

Procuramos relações, quando há satisfação mútua. Quando não encontramos essa satisfação, mudamos de relações ou nos di­vorciamos ou, se continuamos a viver juntos, buscamos a satisfa­ção noutra parte ou passamos de uma relação para outra, até achar­mos o que buscamos: a satisfação, o sentimento de proteção pes­soal e conforto. Afinal de contas, são estas as nossas relações nó mundo. Tal é o fato. Procuram-se relações onde se encontra segurança, onde o indivíduo possa viver em estado de segurança, em estado de satisfação, em estado de ignorância - estados cau­sadores de conflito, não é verdade? Se não me satisfazeis e estou em busca de satisfação, tem de haver conflito, naturalmente, porque ambos estamos procurando a segurança um no outro. Quando esta segurança se torna incerta, vós vos tornais ciumento, vos tor­nais violento, quereis possuir, etc. As relações, pois, redundam invariavelmente em posse, condenação, em arrogantes exigências de segurança, de conforto, de satisfação, e nisso, naturalmente, não há amor.

Falamos de amor, falamos de responsabilidades e deveres, mas de fato não existe amor. As relações estão baseadas na satisfação, cujos efeitos estamos observando na civilização atual. A maneira como tratamos nossas esposas, nossos filhos, vizinhos, amigos, in­dica que nas relações não há, realmente, amor., Elas constituem simples busca de mútua satisfação. Assim sendo, qual é a finalidade das relações?   Qual sua significação fundamental ? Se observais a vós mesmo, nas relações com outros, não descobris que as relações constituem um processo de auto-revelação? Meu contado convosco não revela meu próprio estado de ser, se estou bem cônscio, se estou bem vigilante, para perceber minhas reações, nas relações? As relações são, com efeito, um processo de auto-revelação, vale dizer, um processo de autoconhecimento. Essa revelação nos apresenta muitas coisas desagradáveis, pensamentos e atividades desconfortáveis e inquietantes. Como não gosto das coisas que descubro, fujo das relações que são desagradáveis, para outras que sejam agradáveis. As relações, por conseguinte, têm muito pouca significação, quando estamos apenas em busca de satisfação mútua, mas se tornam extraordinariamente significati­vas quando constituem un meio de auto-revelação e autoconhe­cimento.

Afinal, no amor não há relações, há? Só quando amais e esperais retribuição desse amor, há relação. Quando amais, isto é, quando vos dais inteiramente, completamente, não há relações.

Se amais, se existe um tal amor, êle é então una coisa maravi­lhosa. Neste amor não há atrito, não há um e outro, há união completa.  É um estado de integração, um ser completo. Existem desses momentos, desses momentos raros, felizes, festivos, em que reina um amor completo, uma comunhão completa. O que em geral acontece é que o importante não é o amor, mas "o outro", o objeto do amor; aquele a quem damos nosso amor se torna importante, e não o próprio amor. Então, o objeto do nosso amor, por várias razões, biológicas ou verbais, ou em virtude de um desejo de satisfação, de conforto, se torna importante, e o amor se retrai. Depois, a posse, o ciúme, as exigências, criam conflito, e o amor se retrai mais e mais. E quanto mais ele se retrai, tanto mais o problema das relações perde em significação e valor. Por conseguinte, o amor é uma das coisas mais difíceis de compreender.  Ele não pode vir em virtude de uma exigência intelectual, não pode ser fabricado por variados métodos, meios e disciplinas. Ele é um estado de ser em que cessaram as ativida­des do "eu". Essas atividades não cessarão, se apenas procurais recalcá-las, evitá-las ou discipliná-las. Tendes de compreender as atividades do "eu" em todas as diferentes camadas da consciência. Há momentos em que realmente amamos, em que não há pen­samento nem móvel algum; mas tais momentos são raríssimos. Por ser raros, a eles nos apegamos, com a memória, criando uma barreira entre a realidade viva e a ação da nossa existência de cada dia.

Para compreender as relações, importa compreender em pri­meiro lugar o que é, o que realmente está sucedendo em nossa vida, em formas tão variadas e sutis; e compreender também o que realmente significam as relações. As relações são auto-revelação. Porque não desejamos ser revelados a nós mesmos, nós nos refugiamos no conforto e as relações perdem sua extraordi­nária profundidade, significação e beleza. Só pode haver rela­ções verdadeiras quando há amor; amor, porém, não é busca de satisfação. Só existe amor quando há auto-esquecimento, comu­nhão completa, não entre dois, mas comunhão com o supremo, o que só pode acontecer quando o "eu" está olvidado.

Extraído do livro "A Primeira e a Última Liberdade".  Texto selecionado para estudo no 3º Encontro Teosófico de Guapimirim, promovido pela Loja Himalaya e demais Lojas do Rio de Janeiro, realizado na sede da Associação Lótus Teosofia em 25 e 26 de maio de 2013.

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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