Desejo,
se possível, discorrer sobre o problema da transformação. Considerando-se a
situação mundial, as condições de penúria, as guerras, a competição, o
incessante conflito entre os homens, a extraordinária prosperidade de algumas
nações e a pobreza extrema reinante no Oriente, onde milhões de pessoas só
tomam uma refeição por dia, ou nem isso - considerando-se tudo isso, torna-se
bem clara a necessidade de uma radical transformação, de uma mudança
revolucionária de alguma espécie. E, acredito, deve ser óbvio, a quem já pensou
neste assunto, toda mudança operada por ajustamento, compulsão ou temor, não é
transformação nenhuma. Simples mudança periférica, um mero ajustamento na circunferência — ajustamento político, econômico,
social ou, mesmo, religioso — não é revolução. A revolução naturalmente, tem de
operar-se no centro, e não na circunferência, no lado externo; e como pode
realizar-se essa revolução no centro?
Estou empregando a palavra “revolução” com conhecimento de causa, visto que, se houver uma mudança no centro, teremos uma verdadeira revolução, uma completa transformação do pensamento; e só verificar-se esta revolução no centro podem operar-se mudanças significativas no exterior, na periferia.
Mas nós, geralmente falando, não queremos a revolução
central, e sim, apenas, mudanças exteriores — queremos uma situação econômica
melhor, mais riqueza, mais conforto, mais prosperidade, mais luxo, e uma maior
variedade de entretenimentos e distrações. É isso o que interessa à maioria de nós. Ou, trocamos uma
especialidade por outra, uma religião por outra, um dogma por outro; o que
significa, simplesmente, passar de uma gaiola velha para uma gaiola nova.
E se temos disposições sérias, falamos sobre a
necessidade de abolir a guerra — o que, mais unia vez, significa cogitar sobre
a maneira de produzir modificação no exterior. As pesquisas científicas, as reformas sociais, os
ajustamentos políticos, tudo isso — assim como as várias religiões e sociedades
sectárias — só diz respeito a modificações exteriores.
Ora como produzir uma transformação no centro? Este é o
problema da maioria de nós, não achais? Se estamos seriamente intencionados e
reconhecermos quanto é superficial andarmos só em busca de um emprego melhor ou
de uma solução imediata para os nossos problemas econômicos, políticos, ou
religiosos, desejaremos naturalmente saber se é possível efetuar-se uma transformação
no centro, a qual, por sua vez, produza uma transformação em nossas relações
com a família, com os companheiros, enfim, com a sociedade.
Não sei se já refletistes sobre este assunto;
considero-o, porém, uma questão fundamental, que não se pode facilmente
desprezar. Temos tentado durante anos reformar-nos exteriormente, procuramos
transformar as nossas maneiras, pensamentos, conduta, nossa sociedade, e daí não
resultou nenhuma mudança radical, nenhuma libertação de forças criadoras; e a
mim me parece que, sem essa profunda revolução interior, central, será vão todo esforço que empregarmos para modificar as
coisas exteriores.
Nossos esforços poderão produzir modificações
momentaneamente satisfatórias; entretanto, se a revolução não for efetuada no
centro, a mera alteração da circunferência, da parte externa, é mui pouco
significativa e poderá, eventualmente, conduzir a malefícios maiores ainda.
Compreendendo isso, averigüemos como se pode efetuar essa
transformação, essa revolução no centro. Que é esse centro? Ora, é a mente; e
nós vamos averiguar se a mente pode modificar-se, se pode produzir em si mesma
uma evolução interior.
A mente, como é óbvio, constituída de níveis conscientes
e níveis inconscientes; e todo esforço da mente consciente para se modificar
está sempre compreendido na esfera exterior. Vede bem a importância disso.
Como já disse — se posso repeti-lo, sem enfadar-vos — é
muito importante saber escutar. Quando se faz um esforço consciente para
escutar, para compreender, esse mesmo esforço dificulta a compreensão. Quando
aplicais toda a vossa atenção à tentativa de descobrir algo, vossa mente fica
num estado de tensão e, por isso, não há “escuta”, não há penetração, não há
reação espontânea a algo que se não compreende perfeita e plenamente. Todavia,
o “escutar” exige uma certa atenção, porquanto não significa que vos ponhais
simplesmente a dormir. Mas “escutar” é coisa muito diferente de “ouvir”. Podeis
ouvir o que estou dizendo e compreender a significação das palavras; porém, se
a vossa mente não ultrapassar a mera comunicação verbal entre nós dois, não
haverá compreensão real.
O
que estou tentando transmitir não é tanto a significação verbal, quanto,
principalmente, as coisas existentes entre as palavras, no espaço, no intervalo
entre os pensamentos. Se
a mente puder estar quieta, atenta para o que se acha entre as palavras, se
puder pôr-se em tal estado de “afinação”, será então capaz de “escutar”’
integralmente, na totalidade; e é possivelmente, o que traz a revolução, e não
o esforço consciente para compreender. A
maioria de nós conhece o esforço consciente de modificar, de disciplinar a
mente, e, por esse motivo, o que chamamos modificação representa uma operação parcial,
e não uma revolução total. E eu estou-me referindo à revolução total, integral,
e não à ação parcial, de superfície; e essa revolução pode verificar-se por
meio de nenhum esforço consciente de nossa parte.
Sabemos
o que é a consciência, estamos bem familiarizados com a mente consciente que
pensa e deseja, movida pelo impulso, pela intenção, e determina o ajustamento.
A mente consciente está sempre forcejando em determinado sentido, ou para
ajustar-se pelo temor, ou, ainda pelo temor, transformar-se, a fim de
adaptar-se a outro padrão de ação. Por
conseguinte, todo esforço visante a uma modificação é um ajustamento sob a
influência do temor, do desejo de termos bom êxito ou do desejo de nos
tornarmos melhores, para alcançarmos um certo resultado, seja neste mundo, seja
no mundo da santidade.
É
urgentemente necessária uma revolução profunda, mas, é óbvio, essa revolução
deve ser inconsciente; pois, se produzo deliberadamente uma revolução em mim
mesmo, será resultado de desejo, da memória, do tempo. Desejo tornar-me melhor,
conseguir um resultado, descobrir o que é Deus, o que é a Verdade, ser mais
feliz; por isso digo que há necessidade de transformação.
O
esforço positivo ou negativo, o esforço para ser ou não ser, se baseia no
temor, na ânsia de ganho, de conforto, paz, segurança; assim, pois, toda
modificação operada por um esforço consciente não é verdadeira transformação e,
sim, puro ajustamento a um padrão diferente. A esse respeito, temos de perceber
a verdade completamente.
Como
todas as revoluções econômicas, quer da direita, quer da esquerda, o esforço
consciente não produz nenhuma transformação no centro. Ambas as coisas só produzem
tiranias. O sábio, portanto, não se preocupa essencialmente com modificações
periféricas: interessa-lhe só a revolução interior, a revolução que se opera no
centro. E como iremos, vós e eu, produzir essa transformação?
Não
sei se percebeis a importância desta questão. Todas as escolas de religião,
todas as sociedades religiosas, procuram produzir modificação por meio de
esforço consciente, por meio de disciplina, ajustamento, temor, por meio do
desejo de alcançar uma situação melhor, quer socialmente, quer religiosa ou
psicologicamente; e tudo isso está compreendido na esfera exterior.
Sem dúvida, porém, o homem
que, conscientemente, se está tornando virtuoso, é imoral, uma vez que é
virtuoso no interesse da própria segurança, do próprio conforto e felicidade.
Não estamos falando dessa espécie de mudança ou transformação. Como então efetuar essa revolução
no centro? Vemos que o esforço deliberado e consciente do nosso pensamento
ordinário não pode realizá-la. E pode o inconsciente fazê-la?
Compreendeis o que queremos
dizer quando nos referimos ao “inconsciente”? O inconsciente é o resíduo do
passado, não é exato? É o resultado dos instintos raciais, das impressões
culturais, de tudo o que fomos no passado, de toda a luta do homem contra seus
ocultos intentos, compulsões, ímpetos.
Pode esse inconsciente
ajudar-nos a operar uma modificação, uma revolução no centro? E existe alguma
diferença, algum intervalo ou hiato entre o inconsciente e o consciente? Sem dúvida, a mente
consciente, a mente que está desperta durante o dia, funcionando em nossas
atividades diárias, é apenas a orla do inconsciente, não é verdade? Não há
diferença fundamental entre os dois (o consciente e o inconsciente).
Assim como a folha de uma
árvore é o produto das suas raízes, aprofundadas no seio da terra, assim também
a mente consciente é o produto do inconsciente profundo. Não há distinção entre
eles; não são duas coisas diversas; nós é que não estamos familiarizados com o inconsciente.
É-nos familiar a mente
consciente, a atividade diária de ganância, competição, ciúme, inveja, o
desejar uma coisa e não desejar outra, a nossa luta incessante; mas os mesmos
impulsos encontram-se também nos níveis mais profundos, não é verdade? Pode-se,
pois, contar com o inconsciente para se realizar uma transformação radical?
Se prestais atenção ao que
estou dizendo e o seguis sem esforço, encontrareis a solução correta; e descobrimento
da solução correta é a revolução ao centro.
Qual é o estado da mente
quando não há esforço algum, nem por parte do consciente nem do inconsciente?
Existe, então, um centro? Para a maioria de nós existe um centro, que é o “eu”, o “ego”; e
se esse centro se acha num nível superior ou inferior, isso não tem grande importância.
O centro é o “eu”, o
instinto de aquisição, que se expressa no possuir propriedades, no desejo de
nos tornarmos melhores, de adquirir virtudes, pelo controle, pela disciplina e
tudo o mais. Temores, ansiedades,
disposições de ânimo, anelos, esperanças, fracassos, frustrações — tal é o
centro que conhecemos, não é verdade? E o fazer cessar completamente esse
centro, é a única revolução verdadeira; essa revolução, porém, não é possível
por meio de esforço por parte do consciente ou do inconsciente.
Pois bem. Quando percebemos
tudo isso, qual é o estado da nossa mente? Evidentemente, a primeira reação é
um sentimento de ansiedade, de temor, de desconhecimento do que vai acontecer.
O “eu”, o centro, que é uma acumulação
de inúmeras reações, inúmeras influências culturais, políticas e religiosas - esse
centro é que tem funcionado até agora; e se queremos que esse centro desapareça
de todo, para que a mente seja pura, incorruptível, única, singular, a primeira
reação, por certo, é um tremendo sentimento de negação, de não-ser; e mui poucos
de nós somos capazes de suportar tal coisa, que significa olhar de frente o que
na realidade somos.
Por conseguinte, no centro existe
temor, e, refugiados nesse centro, começamos a levantar defesas, a apegar-nos
aos nossos dons, capacidade, talentos, produzindo desse modo o conflito
constante entre o que somos realmente e o que gostaríamos de ser. E,
entretanto, em momentos lúcidos, percebemos que esse mero lidar com coisas
exteriores nunca produzirá uma revolução profunda, duradoura, fundamental.
Nessas condições, aqueles
dentre nós que tiverem intenções sérias e inclinações religiosas, hão de
interessar-se necessariamente por esta questão da revolução no centro.
Uma vez que nem a mente
consciente nem a inconsciente pode produzir uma transformação fundamental no
centro, o que deve a mente fazer? Pode ela fazer alguma coisa? Como vimos, a
mente tanto é atividade consciente como atividade inconsciente de pensamento,
de reação, de memória.
A mente é resultado do
tempo, e o tempo não pode produzir revolução. Ao contrário, só o cessar do
tempo produz a revolução. O centro está afeito ao tempo, o centro é tempo, é
todo o “processo” psicológico de ontem, hoje, amanhã - eu fui, eu sou, eu serei
- frustração, temor, esperança.
Como vemos, a mente não pode
produzir revolução; quando o faz, cria mais brutalidade, mais tiranias, mais horrores,
e a compulsão totalitária. E se a mente é incapaz de efetuar uma transformação
radical, qual é então a sua função?
Espero me estejais seguindo,
porquanto não falo para mim mesmo, mas também para vós. Acredito, se essa
extraordinária pudesse realizar-se em cada um de nós, criaríamos um mundo
diferente, seríamos missionários de uma nova espécie, de uma espécie
inteiramente diversa, não daqueles que convertem, mas dos que libertam.
Qual é, pois, a função da
mente, ao reconhecer que nenhum esforço, consciente ou inconsciente, da sua
parte, pode produzir, urna transformação completa? Que deve ela fazer? Apenas,
ficar tranqüila, não é verdade? Todo esforço de sua parte para modificar-se é
produto de seu condicionamento, de seu temor, do desejo de bom êxito, da esperança
de melhorar as coisas; e tal esforço só pode dificultar o descobrimento da
solução correta.
Vede bem a importância
disso. Se reconheço que a revolução
fundamental não pode ser produzida por nenhuma reação da mente consciente ou
inconsciente; que todas essas reações estão baseadas no temor, que impele à
aquisição, na memória, no tempo, e se encontram, portanto, na parte externa, na
periferia — se reconheço tudo isso, então o que a mente deve fazer é ficar completamente
tranqüila, não achais?
A função da mente, por conseguinte,
consiste apenas em perceber como surgem essas reações, e em não procurar
conquistar um determinado estado ou produzir uma modificação no centro, pela
ação da vontade. O que pode fazer é apenas observar as próprias reações. O observar, porém, exige paciência
infinita; e se sois impaciente, a observação transforma-se num trabalho
exaustivo, pois desejais progredir, desejais um resultado.
Só quando a mente está
sempre cônscia de suas próprias reações de temor, de ganância, de inveja, de
esperança, essas reações podem desaparecer; não desaparecem, porém, quando há
condenação, comparação, julgamento. Só desaparecem pela observação simples,
inteiramente isenta de escolha.
Texto selecionado para estudo em Loja realizado em 14 de maio de 2013.
"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.
"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.
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