quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O vôo do Garuda

por Lama Shabkar (Tshogdrug Rangdrol)

1
'Saudações àquele que dissipa a escuridão! Esta canção melodiosa sobre a Visão, que é um néctar que liberta ao ser degustado, é oferecida aos meus alunos afortunados; por favor, beba respeitosamente para contentamento do seu coração!
2
Tendo abandonado as atividades, espacializado e despreocupado, com a mente feliz, canto o Vôo do Garuda, uma canção melodiosa sobre a Visão, que vai levá-lo prontamente através de todos os níveis e caminhos sem exceção;   afortunados filhos da mente, ouçam com atenção!
O sonoro "buddha" (desperto) é ouvido, como o rugido do trovão, por todo o samsara e nirvana. Esse buddha (estado desperto) está perpetuamente presente nos fluxos mentais dos seis tipos migratórios de seres sencientes; é uma aliança que não falha nem por um instante –  que incrível!
Não sabendo que o estado desperto existe neles mesmos, eles procuram em outro lugar fora de si –  que incrível! Ele é diretamente visível, sendo como o brilho puro que é a essência do sol, mas poucos o vêem –  que incrível!
Sua própria mente, o próprio buddha, não tendo pais nunca conheceu nascimento, por isso não tem causa que a mate – que incrível! Não importa que ela experimente pálidas alegrias e sofrimentos, não é minimamente melhorada ou piorada –  que incrível!
Este estado mental não artificial vem à existência espontaneamente – que incrível! Este primordialmente liberto autoconhecimento, que é a sua natureza, é liberado deixando o que surgir ser como quiser –  que incrível!
3
Todos os conquistadores dos três tempos, sem exceção, dão ensinamentos – os oitenta e quatro milhares de acervos do dharma, e assim por diante. Estes, iguais aos limites do espaço são insondáveis em extensão, mas têm o único propósito de realizar a sua própria mente. Os conquistadores não dão ensinamentos com qualquer propósito diferente deste.
O brilho puro, que é a natureza da essência do sol, não pode ser obscurecido pela escuridão de mil eras e, de igual modo, a luminosidade que é a essência da sua própria mente, não pode ser obscurecida pela confusão através das eras.
Se o fato da luminosidade que é sua própria mente, for realizado por percepção direta, não há necessidade de um especialista com sua explicação verbal, assim como quando você coloca açúcar em sua própria boca, não há necessidade de explicação sobre o gosto dele.
Enquanto isso não for realizado, mesmo mestres eruditos continuam confusos; eles podem dominar totalmente a explicação sobre os nove veículos, mas suas explicações serão como descrições de lugares distantes e não vistos, e o estado de buddha estará ainda mais distante para eles do que o céu é da terra.
Se sua própria mente que é luminosidade autêntica, não for realizada, você pode manter as disciplinas e praticar paciência por muito tempo, mas não vai erguer-se dos domínios dos três reinos do samsara. Portanto, corte a mente conceitual pela raiz e elimine-a completamente!
4
Se a mente for perseguida não pode ser capturada, pois ela é movimento e conhecimento vacilantes: ela desvanece e desaparece evasiva como névoa;.e se for fixada num lugar não fica parada: ela é inquieta e vagueia por todo canto. Não dá para mostrá-la como "isto" pois ela é definitivamente vazia.
Esse agente que experimenta felicidade e sofrimento, sua mente – de onde ela vem inicialmente, qual é a sua fonte? Pergunte a si mesmo e tente resolver, "Será que ela tem como base as aparências externas, tais como montanhas rochosas, rios, árvores, vento? De onde ela vem?"
Analisando assim, não é produzido nenhuma origem para ela. Em seguida pergunte “Aonde é que ela reside, nesse provisório momento presente?” Ela habita na parte superior ou inferior do seu corpo, em suas faculdades sensoriais, órgãos internos, coração? Se ela permanece no coração, então, aonde exatamente está essa permanência? Que tipo de forma e cor ela tem?
Quando, depois de ter analisado bem, você não encontrar nenhum lugar onde ela esteja, tente resolver: no fim, através de qual porta das faculdades objetivas ela vai, e se, no simples instante que ela leva para chegar aos objetos externos, durante esse tempo, se foi através do corpo ou através da própria mente apenas, ou através do corpo e da mente como uma combinação? Resolva isso dessa e de outras maneiras.
Além disso, quando sofrimento ou pensamento discursivo surgir, olhe para ver: "Primeiramente, a partir de onde isso surgiu?", Em seguida, no tempo presente pergunte: "Aonde isso permanece?" E "Que cor e forma isso tem?" Quando o sofrimento ou pensamento desaparecer, desvanecendo em seu próprio âmbito, pergunte: "Aonde isso desapareceu e foi?".
Os exemplos áridos e explicações verbais de outros lhe dizem "Isso é vazio", mas isso não ajuda. Por exemplo, num lugar onde dizem haver tigres, outros podem dizer-lhe que não há tigres, mas não será suficiente para fazer você acreditar, deixando-o consumido com a dúvida. Quando você mesmo tiver tomado uma decisão firme sobre a raiz de sua mente através de uma pesquisa cuidadosa, é como, por exemplo, ir na área onde dizem ter tigres e procurar em todos os lugares, pesquisando "Há tigres aqui?" Depois de não encontrar tigres, você confia e, doravante, não tem nenhuma dúvida pensando "há tigres aqui?" - é assim.
5
Quando você examinar e analisar a mente como descrito acima, no momento em que você não conseguir encontrar sequer uma partícula de uma “mente” substancialmente existente que você possa apontar e dizer, "Aí está a mente", esse não encontrar é a constatação suprema.
Inicialmente, nossas mentes não têm nenhuma fonte, nenhum lugar aonde surgem, porque, sendo primordialmente vazias, elas não têm nenhuma entidade que possa ser identificada. Nesse interim, elas não têm lugar onde permanecer, são sem forma e cor. No fim, não há lugar para onde elas vão, nem um vestígio que mostre onde elas foram – seu movimento é movimento vazio, o seu estar vazio é aparência vazia.
Esta mente não é demonstrável como "isto", ela irradia sem parar, como tudo o que surge; não existindo como qualquer coisa que seja, está além dos extremos da existência e não existência. É sem ir e vir, sem nascimento e morte, sem desobstrução e obscurecimento.
7
O barulho sobre a "mente" é universalmente ouvido. Pessoas comuns a chamam de "eu"; alguns não budistas dão-lhe o nome de "Atman"; shravakas (ouvintes) chamam de "ausência de eu"; seguidores da tradição Mente Apenas dão-lhe o nome de "discernimento" (vijnana); alguns chamam de "prajnaparamita" (sabedoria transcendente); alguns dão-lhe o nome "sugatagarbha" (potencial búdico); alguns dão-lhe o nome "Mahamudra" (o grande selo); alguns dão-lhe o nome "madhyamaka" (caminho do meio); alguns dão-lhe o nome "dharmadhatu" (espacialidade); alguns dão-lhe o nome "alaya" (base universal); alguns dão o nome de "consciência comum".
Independentemente de qual dos incontáveis nomes lhe são atribuídos, sabe que o que está realmente sendo referido é exatamente isto: relaxe sua mente em si mesma e isso bem aí é a percepção desnuda comum, clara presença olhando mas sem nada para ser visto, rigpa na direta percepção da vívida clara presença, a não existência de qualquer coisa vazia mas vista panoramicamente, a não dualidade da luminosidade e vazio despontando como uma unidade. Não é permanente, não tendo existência como qualquer coisa, não niilista, estando claramente presente, vividamente presente, não singular, sendo conhecida e visível como muitos, não muitos, sendo inseparabilidade, gosto único. Não há mais nada, isso é simplesmente rigpa se autoconhecendo! Você está vendo a face do budha primordial sentado no centro do coração na percepção direta. Não se separem disso, filhos do meu coração!
Qualquer um que afirme que não é isso, mas que é algo especial obtido em outro lugar é como alguém que tem um elefante, mas continua a buscá-lo seguindo suas sendas. Embora busque por todo esse mundo, será impossível para ele encontrar mesmo que apenas o nome buddha.
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Isto é auto iluminação não deliberada, então como você pode reclamar que não vê sua própria mente, buddha? Aqui não há nenhuma meditação para ser feita, então como você pode reclamar que sua meditação falhou? Isto é rigpa vista diretamente, então como você pode reclamar que não encontrou sua própria mente? Isto é a ininterrupta luminosidade vividamente presente, então como você pode queixar-se de que não vê a essência da mente? Aqui não há um grão de trabalho a ser feito, então como você pode queixar-se de que seus esforços falharam? Isto é permanência não dual e não permanência, então como você pode reclamar que não está conseguindo permanecer? Aqui, sem nada para ser feito, ficando simplesmente assim é suficiente, então como você pode queixar-se de que é incapaz de fazer isso? Isto aqui é pensamento refulgindo e sendo liberado simultaneamente, então como você pode reclamar que os antídotos não estão funcionando? Isto é exatamente a percepção do presente, então como você pode queixar-se de que não conhece isso?
9
A própria mente é como o espaço vazio que não é uma “coisa”. Para ver se isso é assim ou não, olhem diretamente para suas próprias mentes com a abordagem de que não há nada para ser visto e soltem-se na vasta uniformidade, então saberão como é! Olhe e olhe novamente para sua própria mente! Envie sua mente para o espaço externo do céu e olhe para ver, "Há vir e ir em minha própria mente?" Quando você olhou, se achou que a mente não vai nem vem, olhe para dentro de sua mente interna e olhe para ver, "Há um agente que emite os pensamentos emitidos?" Se não houver nenhum agente que emite os pensamentos emitidos, olhe para ver: "Será que a mente tem cor e forma?" Quando você se conectar com seu estar vazio de cor e forma, olhe para ver: "Será que o vazio tem centro e borda?" Quando você não encontrar nenhum centro ou borda, olhe para ver: "Será que ela tem dentro e fora?" 
Rigpa sem exterior ou interior é vasta como o espaço, transparente em sua liberdade de delimitação, um vasto grande espaço interior de autoconhecimento, espalhada por toda parte. Dentro dela toda a variedade de fenômenos do samsara e nirvana (o condicionado e o não condicionado) aparecem como arco íris que flutuam no espaço, mas toda essa variedade é o jogo da mente. Olhe para fora, a partir deste estado sem sair da autoconhecedora rigpa e veja que todos os fenômenos, como ilusões e luas refletidas na água, são aparições vazias não separáveis em partes. No estado de rigpa, samsara e nirvana são não dual; olhar para fora a partir deste estado sem sair da autoconhecedora rigpa e ver que os fenômenos do samsara e nirvana, como imagens em um espelho, surgem, mas primariamente nunca tiveram existência. Todos os incontáveis fenômenos do samsara e nirvana, são o dharmakaya (dimensão vazia).
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Esta rigpa não coisa que é luminosa – isso é o auge de tudo o que há para ser Visto. Esta liberdade da prisão da mente racional que mancha tudo com seus focos de referência – isso é o auge de toda meditação. Estar numa não fabricada frouxidão sem avidez – isso é o auge de toda a conduta. Esta não perseguida situação primordialmente espontânea – isso é o auge de toda a realização.
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Há este ponto chave, embora alguns não entendam isso. Tudo já está primordialmente feito, mas dizem "Eu vou fazer isso!" Tudo já está primordialmente liberto, mas dizem "Eu vou liberar isso!" Tudo já está primordialmente em equilíbrio, mas dizem "Eu vou fazer isso ficar equilibrado!" Tudo já está primordialmente em meditação, mas dizem "Eu vou meditar sobre isso!" Tudo já está visto primordialmente, mas dizem "Eu vou ver isso!" Tudo já está primordialmente percorrido, mas dizem "Eu vou percorrer isso!" Falando assim, colocam suas esperanças num tipo de análise mental da Visão. Onde quer que você olhe samsara e nirvana são sem dualidade, pois são o grande espaço da mente pura radiando.
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Vendo todos os fenômenos visíveis, audíveis e mentais como se fossem ilusões, miragens, sonhos, reflexos, luas na água, cidades de Gandharvas, distorções visuais, aparições, bolhas, ou ecos, atue no mundo a partir deste estado de rigpa! Conduza-se assim dia e noite sem interromper para meditação e não meditação. Mantenha-se num estado sem a deterioração da artificialidade do processo de pensamento, onde tudo é deixado ser o que é. Trate todos os pensamentos discursivos como o voo de um pássaro que não deixa traços no céu. Com a percepção do presente como um espaço sem poeiras, e os pensamentos futuros sendo como um moinho com sua água cortada, relaxe tranquilamente sem manipulação ou alteração, solte-se num estado onde os pensamentos são deixados ser o que são, livres de qualquer restrição.
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Esta canção vajra (adamantina) surgiu a fim de beneficiar todos os afortunados que buscam a emancipação. Mantenham-se comprometidos. Possam todos os seres alcançarem a felicidade!

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As asas do grande Garuda se desenvolve dentro do ovo,
Mas envolvidas pela casca, elas não são aparentes
Até que a ave nasce, e sobe imediatamente para o céu.

Assim também, a percepção dualista ilusória é sempre resolvida.
Quando há a ruptura da concha de resíduos congelados
A clara espontaneidade da presença pura jorra de si mesma.

Então, a luminosidade sublime permeia o amplo céu
E através do reconhecimento da face original,
Somos liberados na matrix da espacialidade.
Tesouro do Dharmadhatu, Longchenpa


Texto selecionado para estudo em Loja em 28.01.15

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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