domingo, 5 de agosto de 2012

"O Futuro é Agora", de Krishnamurti

"Fico pensando por que razão estão todos aqui. Por que nos reunimos todos aqui às margens do Ganges? Se alguém fizesse esta pergunta seriamente, qual seria a resposta? É simplesmente porque antes os senhores já ouviram este homem falar várias vezes; portanto, dizem, vamos lá ouvi-lo? Qual é a relação do que ele diz com o que os senhores fazem? São duas coisas separadas? – os senhores apenas ouvem o que ele tem a dizer e continuam com suas vidas de todos os dias? Entenderam a nossa questão?

Nós dois, como velhos amigos, sentados debaixo de uma árvore, vamos discutir, juntos, não alguns problemas abstratos, teóricos, mas a nossa vida diária, que é muito mais importante. Temos tantos problemas: como meditar, que guru seguir – se você for um seguidor -, que tipo de prática fazer, a que tipo de atividade diária se dedicar e assim por diante. E também, o que é o nosso relacionamento com a natureza – com todas as árvores, os rios, as montanhas, as planícies, os vales? O que é o nosso relacionamento com uma flor, com um pássaro? E o que é o nosso relacionamento um com o outro – não com o orador, mas um com o outro -, com a sua esposa, com o seu marido, com os seus filhos, com o ambiente, com o seu vizinho, com a sua comunidade, com o governo, e assim pó diante. O que é o nosso relacionamento com tudo isso? Ou estamos isolados, preocupados com nós mesmos, intensamente interessados em nosso próprio modo de vida?

Estamos fazendo estas perguntas como amigos de verdade, não como guru. O orador não tem a mínima intenção de impressioná-los, de lhes dizer o que fazer ou de ajudá-los. Por favor, tenham isso em mente durante todas as palestras. Ele não tem intenção
nenhuma de ajudá-los. Vou lhes dizer por que, vou lhes dizer a razão, a lógica disso. Os senhores tiveram muitos gurus, milhares deles, muita gente para ajudar – cristãos, hindus, budistas, todo tipo de líder -, não apenas político, mas os assim chamados religiosos. Os senhores tiveram grandes líderes e pequenos líderes. E onde estão os senhores ao fim desta longa evolução?

Possivelmente, vivemos nesta terra há um milhão de anos, e durante essa longa evolução continuamos bárbaros. Podemos ser mais limpos, mais rápidos na comunicação, ter mais higiene, melhores transportes e assim por diante, mas moralmente, eticamente e – se me permitem usar a palavra – espiritualmente ainda somos bárbaros. Matamos uns aos outros, não apenas na guerra, mas também por palavras, por gestos. Somos muito competitivos. Somos muito ambiciosos. Cada um está preocupado consigo mesmo. O interesse pessoal é a nota dominante da nossa vida – preocupação com o nosso próprio bem-estar, com a nossa segurança, com as nossas posses, com o poder, e assim por diante. Não estamos preocupados com nós mesmos – espiritualmente, religiosamente, nos negócios? Na verdade, no mundo inteiro, todos estamos preocupados com nós mesmos. Isto significa nos isolarmos do resto da humanidade. Isto é um fato; não estamos exagerando. Não estamos dizendo algo que não seja verdade.

Onde quer que se vá – este orador percorreu o mundo todo e ainda viaja – o que está acontecendo? Aumenta o número de armamentos, a violência, o fanatismo, e o grande e profundo sentimento de insegurança, de incerteza e separação – você e eu – é uma característica comum da humanidade. Por favor, estamos encarando os fatos, não teorias, não algum tipo de afirmação teórica, filosófica, distante. Estamos olhando para os fatos. Não para os meus fatos em oposição aos seus, mas fatos. Todos os países do mundo, como devem saber, estão adquirindo armas – todos os países, sejam pobres, sejam ricos. Certo? Olhem para o seu próprio país – a imensa pobreza, a desordem, a corrupção, todos os senhores sabem disso, e a compra de armas. Costumava ser uma clava para matar o outro; agora pode-se vaporizar a humanidade aos milhões com uma bomba atômica ou uma bomba de nêutrons. Uma imensa revolução está ocorrendo, da qual sabemos muito pouco. O processo tecnológico é tão rápido que da noite para o dia aparece uma coisa nova. Mas, eticamente, somos o que temos sido durante um milhão de anos. Os senhores percebem o contraste? Tecnologicamente, temos o computador, que pode sobrepujar o homem, que pode inventar novas meditações, novos deuses, novas teorias. E, meus amigos – isto é, os senhores e eu -, o que vai acontecer com nossos cérebros? O computador pode fazer quase tudo o que os seres humanos conseguem fazer, exceto, claro, fazer amor ou olhar para a lua nova. Isto não é uma teoria; está acontecendo agora. Portanto, o que vai acontecer conosco enquanto seres humanos?

Queremos entretenimento. Provavelmente, isso faz parte da ideia que fazem de entretenimento, vir aqui, sentar, ouvir e concordar ou discordar, e voltar para casa e continuar com as suas vidas; é uma espécie de entretenimento, como ir à igreja, ao templo, à mesquita, ao futebol ou ao cricket. Por favor, isto não é entretenimento. Os senhores e eu, o orador, devemos pensar juntos, e não apenas sentar calmamente e absorver uma estranha atmosfera, uma punya; desculpem-me, não é nada disso.

Vamos pensar juntos, sensatamente, logicamente, olhar para a mesma coisa juntos. Não como os senhores olham, como eu olho, mas juntos observar nossa vida diária, que é bem mais importante do que qualquer outra coisa – observá-la a cada minuto do nosso dia. Então, primeiramente, vamos pensar juntos, não apenas ouvir, concordar ou discordar, o que é muito fácil. Desejamos fervorosamente que pudessem pôr de lado a concordância e a discordância! Isto é muito difícil para a maioria das pessoas que estão ansiosas demais. Nossas reações são tão rápidas; nós classificamos tudo – homem religioso, homem não-religioso, mundano, e assim por diante. Portanto, se puderem, nesta manhã pelo menos, ponham de lado a concordância e a discordância, e apenas observem juntos, pensem juntos. Farão isso? Deixem completamente de lado a sua opinião e a minha opinião, o seu modo de pensar e o modo de pensar de outra pessoa, e apenas observem juntos, pensem juntos.

A concordância e a discordância dividem as pessoas. É ilógico dizer, “sim, eu concordo com você”, ou “eu não concordo com você”, porque os senhores estão ou projetando, agarrando-se à sua opinião, ao seu julgamento, à sua avaliação, ou descartando o que foi dito. Então, nesta manhã, só por diversão, por entretenimento, se preferem, vamos esquecer nossas opiniões, nossos julgamentos, nossas concordâncias ou discordâncias e deixar o cérebro verdadeiramente limpo – não de forma devocional, emocional ou romântica, mas um cérebro que não se envolva em todas as complicações de teoria, opinião, aceitação, dissensão. Podemos fazê-lo?

Então, vamos prosseguir. O que é o pensamento? Todo ser humano no mundo, do mais ignorante, do mais rude, da pessoa mais humilde de uma pequena vila, ao mais altamente sofisticado cientista, tem algo em comum – o pensamento. Todos nós pensamos – o aldeão que nunca leu nada, que nunca foi à escola, à faculdade ou à universidade, e a maioria dos senhores aqui, que estudaram. O homem que senta sozinho lá no Himalaia, ele também pensa. E este pensamento persiste desde o começo. Então, primeiro, os senhores devem fazer a pergunta: o que é o pensamento? O que é isso sobre o que os senhores pensam? Primeiro, respondam a essa pergunta – não a partir dos livros, do Gita, ou dos Upanishads, ou da Bíblia, ou do Corão.
[continua]

KRISHNAMURTI, J. O Futuro é Agora, pp. 60-63, Ed. Cultrix.

Texto selecionado para estudo em grupo realizado em 3 de julho de 2012.

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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