Por que essa meditação é considerada de grande importância nas diversas tradições? O que acontece com a nossa consciência quando estamos no estado de plena atenção? Usando os ensinamentos teosóficos e suas especificidades sobre a constituição humana e os processos de consciência, podemos explorar essas questões numa abordagem teosófica da meditação da plena atenção.
A nossa natureza espiritual e sua evolução
O princípio mais elevado dos seres humanos, ātman, é apenas um raio da Realidade Absoluta. Esse princípio universal é eterno, incorruptível, perfeito e completo. Por ser absoluto e incondicionado, ele não pode se manifestar diretamente no Cosmos condicionado. Ele precisa de um veículo mais diferenciado, buddhi, através do qual o Real se reflete nos mundos da ilusão. Atma-Buddhi constitui o que na Teosofia é chamado de Mônada, ou seja, a Centelha Divina, que mergulha na matéria e sofre o processo da evolução cósmica. No início desse processo, a divina Mônada é inconsciente nos planos inferiores. Ela evolui através dos reinos inferiores da natureza, a partir dos elementais até os animais, impulsionada pela evolução física. Como resultado disso, a Mônada gradualmente desperta para a consciência. Os esforços de evolução física, no entanto, não são suficientes para desenvolver a autoconsciência. (1) Isto torna-se possível somente quando o reino humano é atingido e começa, então, o estágio da evolução intelectual. Nesse momento, a Mônada está ligada ao produto da evolução física, o homem-animal, através de manas, que atua como uma ponte entre o espiritual e o material.
Manas é descrito como o princípio da mente, e é a fonte da autoconsciência. Em sua natureza original, no entanto, ele está além do que nós concebemos como mente. Nossa mente é apenas o reflexo sombrio deste princípio espiritual, quando está funcionando através do nosso cérebro. O mesmo acontece com a consciência manásica pura, que, de acordo com HPB, é a autoconsciência "no sentido espiritual mais elevado." (a) Não é a consciência de sermos corpo ou mente, isto ou aquilo, mas um puro sentido de ser, o estado de Eu sou, que não está identificado com e nem condicionado por qualquer característica particular.
Ao entrar em contato com manas, o homem-animal é dotado de mente e autoconsciência. No entanto, uma vez que esse princípio é muito espiritual para funcionar plenamente através do cérebro físico, ele só pode emitir um raio de si mesmo. Isso condiciona sobremaneira a qualidade original e a expressão de manas. Agora, a mente espiritual limita-se às percepções materiais, manifestando-se como a mente inferior, concreta. E a pura autoconsciência, agindo agora em associação com o corpo e seus sentidos, desenvolve o sentido de "Eu sou, essa personalidade ou corpo particular, separado do resto". Isso provoca o nascimento do eu ilusório, o ego inferior.
Devido a sua associação com manas, ao final deste ciclo de evolução a Mônada dual (Atma-Buddhi) adquire autoconsciência divina e torna-se tripla (Atma-Buddhi-Manas). No entanto, a Centelha divina só pode assimilar a essência espiritual de manas. Então, é necessário purificar a nossa mente e a autoconsciência, a fim de realizar a nossa natureza espiritual.
Elevando-se à sede da autoconsciência
Como resultado do processo descrito acima, a maioria de nós sente que é a personalidade, e é incapaz de se reconhecer como sendo a Mônada espiritual. Como podemos nos tornar conscientes do nosso verdadeiro Eu? Annie Besant explica o seguinte:
“A única certeza para cada um de nós é incapaz de ser reforçada por qualquer ato da razão e prescinde de qualquer prova ou argumento, ela é a verdade defintiva: Eu sou.
Este é o fato essencial da consciência, o alicerce sobre o qual todo o resto é construído. Se, ao estudar o homem em seu atual estágio de evolução, buscamos conhecer a sede da autoconsciência, descobrimos que na maioria de nós o seu assento é a mente inferior. . . A partir dessa vida da mente inferior, na qual as sensações ainda desempenham um papel tão importante, o homem se eleva para a vida do intelecto, a mente inferior torna-se seu instrumento e ele deixa de ser ele mesmo. Da vida do intelecto, ele deve se elevar para a vida do Espírito e conhecer a si próprio como sendo o Uno. A sede da Autoconsciência é transferida da mente inferior para a superior através do “árduo pensar”, através do trabalho intelectual do estudante, do filósofo, do homem da ciência, se este último transforma os pensamentos, se transformar objetos em princípios, fenômenos em leis. E assim como o “árduo pensar” por si só pode elevar a sede da Autoconsciência, da mente para o intelecto, a profunda concentração e meditação pode elevar essa sede do intelecto para o Espírito.” (2)
A mente inferior é a mente concreta; aquela que se interessa pelos objetos materiais, e vive nas sensações e delas se sustenta. A maioria das pessoas são autoconscientes principalmente nesse nível. Elas não estão interessadas em Idéias, numa compreensão da vida e do seu propósito. Elas estão mais interessadas em "coisas práticas", isto é, naquilo que pode trazer um resultado físico, psicológico, palpável. A Dra. Besant diz que o primeiro estágio desse processo de elevar a sede da nossa autoconsciência é começar a experimentar essa dimensão menos concreta de vida, do nosso ser; é descobrir que o nosso corpo e a nossa mente inferior não são a única realidade. Essa dimensão mais elevada é compreendida por aquilo que ela chama de "intelecto", isto é, a mente abstrata. Ela disse que uma pessoa começa a ter consciência desses aspectos mais sutis, estudando temas universais que não estão diretamente relacionados à existência pessoal, tentando compreender os princípios abstratos e as leis da vida. Em outras palavras, a pessoa tem que adotar uma atitude filosófica e tornar-se um buscador da verdade. Através deste esforço, a mente torna-se refinada e é capaz de perceber gradualmente o mundo sem forma do Espírito. Isto é o que HPB chamada Jnana Yoga em conexão com o estudo de A Doutrina Secreta.(3)
Em seguida, a Dra. Besant descreve o segundo estágio, que está além do "árduo pensar". Como HPB salientou, não é possível atingir o autoconhecimento espiritual e tornar-se consciente da natureza divina através do raciocínio ou qualquer processo cerebral. (4) Aqui, a meditação não-conceitual é necessária. Temos de recorrer a essa fonte de sabedoria que reside em nós, que está além do intelecto e seus processos - buddhi. Este Princípio, além de atuar como veículo de ātman, é uma faculdade de percepção unitiva e espiritual. No entanto, os ensinamentos teosóficos afirmam que se não houver um elemento manásico unido a Buddhi, essa sabedoria permanece apenas como um potencial em nosso plano. Em outras palavras: a natureza original da nossa consciência é plena de sabedoria, mas não temos consciência disso. Quando há união entre a sabedoria (buddhi) e a pura autoconsciência (manas), esta sabedoria inata se torna disponível e há uma transformação em nós, tornamo-nos conscientemente divinos. Nas palavras de HPB: “ Manas é autoconsciência espiritual em si mesma, e Consciência Divina, quando unida a Buddhi.” (5)
A meditação Taijasa
Exploremos agora a abordagem teosófica desse tipo de meditação não-conceitual.
Posto que todas as virtudes já estão presentes na nossa consciência espiritual, não precisamos de acrescentar ou adquirir qualquer coisa. O que é preciso é distinguir a nossa autoconsciência pura da sua associação com a personalidade, tornando-se consciente de si mesma, no nível espiritual. Em outras palavras, é preciso transcender o sentido da frase "Eu sou este nome, corpo e mente". Como dissemos, isso não pode ser feito através de qualquer atividade do pensamento, porque os pensamentos pertencem à personalidade. O problema, entretanto, não reside no processo de pensamento em si, que é a atividade natural de manas quando trabalha com o cérebro, mas na identificação da nossa consciência com o pensador ilusório.
É importante perceber que, embora haja um processo contínuo de pensamento, não existe pensador algum como entidade real, no nível psicológico. Parece haver um só devido à união do processo pensante vivente com a pura autoconsciência. (b) Em outras palavras, a sensação ilusória de "Eu sou o pensador" é criada quando uma sucessão de pensamentos surge em nossas mentes e a autoconsciência manásica reflete-se sobre eles.
Existem várias práticas meditativas para o autoconhecimento a nível espiritual, alguns dos quais foram explicados em artigo anterior ("Quem sou eu?" The Theosophist, agosto de 2009). Na meditação da plena atenção, realizamos isso observando a nossa mente e os seus movimentos. De acordo com HPB, quando a consciência individual se volta para dentro, há uma conjunção de buddhi e manas. (6) Aqui existe a "autoconsciência em sua forma mais pura".(7) Essa conjunção é permanente num iluminado que tenha realizado a sua consciência divina, enquanto o aspirante é capaz de alcançá-la apenas momentaneamente. Esse estado de espírito temporário no aspirante é chamado Taijasa, "o radiante", já que manas é "iluminado pelo brilho da alma divina [buddhi] ".(8)
J. Krishnamurti explica os passos para esse tipo de meditação como segue:
“Primeiro de tudo, sente-se muito silenciosamente, não se obrigue a sentar-se calmamente, mas sente-se ou deite-se calmamente, sem forçar de modo algum . . . Então observe o seu pensamento. Observe o que você está pensando . . . E quando surgir um pensamento, não o condene, não diga que se é certo, errado, bom ou ruim . .. Quando você olha, quando você penetra o pensamento profundamente, a sua mente torna-se extraordinariamente sutil, viva. Nenhuma parte da mente está adormecida. A mente fica completamente desperta. Isso é apenas a base. Então, sua mente se acalma. Todo o seu ser se aquieta. Então, atravesse essa quietude, de modo mais profundo, mais distante - e todo esse processo é a meditação.” (9)
No estado taijásico da nossa mente, estamos em contato com a nossa sabedoria inata (buddhi). Essa é uma consciência clara, radiante, além de toda apreensão mental. Não podemos produzi-la de forma direta, por meio da atividade do pensamento. Ela só é alcançada pelo reconhecimento sem esforço da identidade transcendental do indivíduo através da sabedoria que o discrimina. "Sem esforço" significa que não podemos forçar ou produzir essa percepção. Tudo o que nós podemos fazer no plano abaixo é criar as condições adequadas para a percepção búdica surgir no plano acima. Exploremos essas condições.
A percepção búdica está além do pessoal. Ela só pode surgir quando não há distorção produzida pelos nossos gostos e desgostos pessoais. Portanto, devemos permanecer atentos aos movimentos da nossa mente com equanimidade, sem entrar em julgamentos ou reações ao que percebemos. Somos meras testemunhas. Essa consciência mais elevada, no entanto, também é descrita como estando associada a um estado de amor e bem-aventurança. Ela não pode se manifestar se há algum sentimento de condenação ou severidade em nosso testemunho. Nós observamos com um sentido de amor e integração o que quer que esteja no campo da consciência.
Como essa percepção espiritual é não-dual, temos de eliminar a separação entre o observador e o observado, entre o pensador e o pensamento. Como dissemos, os pensamentos não são um problema em si. Eles são como as ondas do oceano, como nuvens que passam no céu imutável. Nós não tentamos pará-los ou manipulá-los, porque se o fizermos, estamos assumindo a posição do pensador. Sem intervenção, nós relaxamos e eliminamos todo o esforço, interior e exterior, e deixamos que o processo contínuo do pensar aconteça dentro da sua própria atividade autodirigida.
Esse estado taijásico é pleno de sabedoria. Sabedoria aqui significa que vemos as coisas como elas realmente são, sem nos emaranharmos em reações pessoais ou condicionamentos. Estar além do processo psicológico, este estado existe além do tempo, e em sua atmosfera a ilusão se dissolve. Como lemos em Luz no Caminho:
“Viva nem no presente nem no futuro, mas no eterno. Lá, essa erva gigantesca [o eu inferior] não consegue florescer: essa mancha sobre a existência é apagada pela atmosfera do pensamento eterno.” (10)
O estado de Taijasa, em si e por si, gradualmente purifica a nossa autoconsciência dos elementos pessoais. Tornamo-nos conscientes do sentido impessoal do Eu Sou e então a nossa consciência pode ir além, elevando-se "à vida do Espírito."
Referências
1 - Helena Blavatsky (HPB), A Doutrina Secreta, II, III Stanza, p. 79
2 - Annie Besant, A Realidade do Invisível e a realidade dos mundos invisíveis.
3 - R. Bowen, Madame Blavatsky sobre Como Estudar Teosofia.
4 - HPB, Collected Writings (CW), VIII, "Autoconhecimento", p. 108
5 - HPB, CW XII, "A Fundamentação Filosófica do Princípio", p. 630
6 - HPB, CW XII, "Instrução ES n º II", p. 545
7 - HPB, CW VIII, "Idealismo moderno, pior do que o materialismo", p. 96-7
8 - HPB, Chave para a Teosofia, Seção 9, "Da Morte e da Consciência Pós-morte", fn. 4
9 - J. Krishnamurti, em Educação, p. 58
10 - M. Collins, Op. cit.Parte I, "Regra 4".
Texto de Pablo Sender, publicado originalmente em inglês na página http://pasender.tripod.com
Tradução: Roberto Carlos de Paula
"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.
"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.
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