Nos sutras do Budismo, ensina-se que a pessoa comum não é capaz de conhecer a vacuidade pela percepção direta, mas que ela tem de se apoiar na cognição por inferência. Há um grande número de debates, tanto históricos quanto atuais, nas tradições dos sutras a respeito de como empregar a cognição por inferência e a razão em direção ao reconhecimento da vacuidade, mas pouco há sobre o reconhecimento da natureza da mente através dos sentidos. Nos sutras, somente o yogui que atingiu o terceiro caminho, o caminho da visão, possui a percepção yóguica direta da vacuidade. Neste estágio não se pode mais categorizar tal praticante como um ser comum.
O Dzogchen tem uma visão diferente. Os ensinamentos nos mostram não somente que a vacuidade e a claridade da natureza da mente podem ser apreendidas diretamente pelos sentidos, mas também que usá-los nesta tarefa espiritual é mais fácil e mais válido do que utilizar a mente conceitual. Os sentidos são os portões imediatos da percepção direta que, antes de ser agarrada pela mente conceitual, está muito próxima da consciência pura. Alguns comentários dos sutras criticam o Dzogchen, dizendo que seus praticantes estariam muito enredados em visões de luz, entre outras, que mesmo os seres comuns podem ter. Mas é assim que as coisas são. A natureza da mente que estamos reconhecendo existe em todos os seres.
Frequentemente, ao nos apoiarmos no intelecto para entender, satisfazemo-nos com conceitos. Podemos ser condicionados a assumir, após ouvirmos certas palavras, que entendemos seu significado, sem nunca termos vivenciado a experiência direta do que elas indicam. Ao invés de nos apoiarmos na apreensão direta da verdade por detrás do conceito, consultamos os modelos conceituais que porventura tenhamos construído a respeito daquilo que desejamos entender. Isso faz com que fiquemos mais facilmente perdidos na mente em movimento; é confundir o mapa com o território ou o dedo apontando para a lua com a própria lua. Embora possamos terminar com uma descrição impressionante da verdade, também acabamos por não viver essa verdade.
A natureza da mente pode ser experimentada através da consciência do sentido da visão, pela consciência do sentido auditivo, pela consciência do sentido olfativo e assim por diante. Vemos através do olho, mas não é ele que está vendo. Ouvimos através do ouvido, mas não é ele que está ouvindo. Da mesma maneira, a natureza da mente pode ser experimentada através da consciência visual, mas não é a consciência visual que a está experimentando.
Ocorre o mesmo com todas as percepções diretas. A forma que é recebida pela consciência do sentido da visão e a forma que a mente conceitual pensa que a consciência visual percebeu são diferentes. A forma que é apreendida diretamente pela consciência da visão está mais próxima da realidade fundamental do que a ideação desta percepção, que ocorre na mente conceitual. A mente conceitual é incapaz de percepção direta; ela reconhece as coisas apenas através de imagens mentais projetadas e através da linguagem, que é ela mesmo inferencial.
Por exemplo, a consciência visual vê o fenômeno que nós chamamos de “mesa”. O que ela percebe não é uma “mesa”, e sim uma experiência sensorial, vívida, de luz e cor. A mente conceitual não percebe diretamente os fenômenos crus e vitais que formam a experiência da consciência do sentido da visão. Ao invés disso, ela cria uma imagem mental daquilo que a consciência visual experimenta. Ela alega estar vendo a mesa, mas o que ela vê é uma imagem mental da mesa. Este é o ponto crítico no qual a mente conceitual e a percepção direta diferem. Quando o olho está fechado, a “mesa” não pode mais ser percebida diretamente e aquele conjunto de fenômenos não faz mais parte da experiência do presente sensorial imediato, mas a mente conceitual ainda consegue projetar uma imagem da mesa, que não é a mesma do fenômeno diretamente percebido. A mente conceitual não tem necessidade de estar orientada pelo presente sensorial, podendo existir por suas próprias fabricações.
Esta capacidade da mente conceitual de modelar a experiência direta, embora de valor inestimável para nós enquanto humanos, é a causa de um dos obstáculos mais insistentes na prática. Antes e depois da experiência direta da natureza da mente, a mente convencional tenta conceitualizar a experiência. Do mesmo modo que a experiência de rigpa é, no começo, obscurecida por formas, pensamentos e uma relação dualista com os fenômenos da experiência, a conceitualização de rigpa se torna uma barreira. Podemos então pensar que conhecemos a natureza da mente quando estamos apenas experimentando uma relação com um conceito.
Isto não quer dizer que a experiência sensorial direta é em si mesma a natureza da mente. Mesmo com a percepção bem crua tendemos a estar sutilmente identificados com um sujeito que percebe e a experiência permanece dualista. Mas, no primeiro momento de contato entre a consciência e o objeto dos sentidos, a natureza desnuda da mente está ali. Exemplificando, quando somos bruscamente surpreendidos, há um momento no qual todos nossos sentidos estão abertos; não nos identificamos como aquele que experimenta ou com a experiência. Normalmente, este momento é um tipo de inconsciência, porque a mente em movimento e grosseira com a qual nos identificamos recebeu um choque e, apenas durante aquele momento, não há nem aquele que percebe nem o percebido, apenas percepção pura: nenhum pensamento, nenhum processo mental, nenhuma reação por parte de um sujeito ao estímulo de um objeto. Existe apenas consciência aberta, não dual. Esta é a natureza da mente. Isto é rigpa.
RINPOCHE, Tenzin Wangyal. Os Yogas Tibetanos do Sonho e do Sono, pp. 210-212, Ed. Devir.
"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.
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