quinta-feira, 3 de março de 2011

Morrer e viver (2)

P: Porque na morte aquilo que se manifesta converte-se em não-manifesto. Porque tanto no nascimento como na morte existe um mistério essencial, uma aparição e desaparição.

Krishnamurti: É por isso que separamos as duas, a aparição da criança e a desaparição do ancião? É essa a razão pela qual o homem separa a vida da morte? O jovem aparece e o velho desaparece. Você diz que o motivo da divisão é que há um princípio e um final: existe o nascimento, a infância, a maturidade e a morte. É esta a razão básica do medo da morte? É óbvio que há um começo e um fim. Eu nasci, e morrerei amanhã – há princípio e fim. Mas por que não aceitar isso?

P: A morte envolve a cessação do 'eu', do 'mim' e de tudo que esse ‘eu’ experimenta. Ocorre a cessação definitiva do 'eu'.

Krishnamurti: É esse o motivo da divisão interna? Não parece ser essa toda a razão de o homem haver separado a vida da morte.

P: É a causa do pavor?

Krishnamurti: É o pavor que me faz separar o viver do morrer? Será que eu sei o que é viver e o que é morrer? Será que eu conheço a felicidade, o prazer que é a vida, e considero a morte como o fim de tudo? É essa a razão para separar um movimento chamado vida de um outro movimento chamado morte? O movimento que chamamos vida é viver? Ou é meramente uma série de tristezas, alegrias e desesperos? É isso que que chamamos viver?

P: Por que você lhe atribui um significado especial?

Krishnamurti: Existe alguma outra forma de viver? Esta é a parte que se aplica a cada ser humano. O homem tem pavor porque isso com o qual ele vive identificado chegará ao fim. De modo que deseja a continuidade das suas tristezas, alegrias, infelicidades, confusões, conflitos. Deseja que continue a mesma coisa, que nunca haja um final. E esse final ele chama de 'morte'. No entanto, o que faz a mente em meio a isso tudo? A mente está confusa, em conflito, em desespero. Está presa no prazer, na dor. Isso a mente chama de ‘viver’, e não quer que isso termine porque não sabe o que poderia acontecer se isso terminar. Portanto, tem pavor da morte. Eu me pergunto: isso é viver? Viver deve ter um sentido completamente diferente disso.

P: Por quê? Por que diferente?

Krishnamurti: Viver é realização, frustração e tudo o que se segue. Minha mente está acostumada com isso e jamais questionou se isso é viver. Minha mente nunca perguntou a si mesma por que eu chamo isso de viver. Será um hábito?

P: Eu realmente não entendi a sua pergunta.

Krishnamurti: Afinal, devo formular a pergunta.

P: Por que deve formular a pergunta?

Krishnamurti: Minha vida, desde o momento em que eu nasço até o momento em que eu morro, é uma luta perpétua.

P: Viver é agir, ver, ser; tudo isso implica viver.

Krishnamurti: Vejo a beleza, o céu, uma linda criança. Vejo também o conflito com o meu filho, com os meus semelhantes; a vida é um movimento de conflito e prazer.

P: Por que devo questionar isso? A mente só questiona quando há dor, quando há muito sofrimento.

Krishnamurti: Por que não questionar quando se tem prazer? Quando não há prazer, há dor.

P: Senhor, a vida não é uma série de crises. As crises de dor são poucas, ocorrem em raras ocasiões.

Krishnamurti: Mas eu vejo na vida, é isso que está acontecendo. Vejo como isso acontece e, portanto, questiono essa divisão entre o viver e o morrer.

P: Você faz isso, mas os outros não. Nós vemos que a divisão existe; para nós, é um fato.


Krishnamurti: Em que nível? Com que profundidade e qual o sentido de você fazer tal afirmação? Claro que isso é um fato; eu nasci, e morrerei. Então, não há mais nada a dizer.

KRISHNAMURTI, J. Tradición y Revolución, pp. 30-31. Tradução livre por Lucio Saens, Ana Cristina Moura, Judson, Roberto C. de Paula e Eliane Zaranza, para estudo em Loja realizado em 1º de março de 2011.


"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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