quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Comentários sobre o viver, por Krishnamurti (1)


Sem bondade e amor, não somos educados (1)

Sentado numa plataforma elevada ele tocava um instru­mento de sete cordas para uma pequena plateia familiar com um tipo de música clássica. Estavam sentados no chão diante dele; de uma posição às suas costas era tocado outro instrumento de ape­nas quatro cordas. 

Era um homem jovem, mas mestre total das sete cordas e da complexa música. Ele improvisava antes de cada canção; depois vinha a composição, sobre a qual haveria mais improviso. Jamais ouviríamos alguma daquelas músicas execu­tada duas vezes da mesma maneira. As letras eram fixas, mas dentro de determinada composição havia grande latitude, e o ar­tista podia improvisar segundo o seu coração; e quanto mais va­riações e combinações, maior o músico. Nas cordas, palavras não eram possíveis; mas todos que lá estavam conheciam as letras e se extasiavam com elas. Com cabeças meneando e mãos gesticu­lando com graça, eles seguiam o ritmo perfeitamente e o marca­va com uma leve palmada na perna. 

O músico fechara os olhos e se achava completamente absorto em sua liberdade criativa, e na beleza do som; sua mente e seus dedos estavam em perfeita coor­denação. E que dedos! Delicados e rápidos, pareciam ter vida  própria. Só se tornavam quietos e relaxados ao fim da música numa nota particular; mas, com incrível rapidez, logo começavam uma nova melodia, em tonalidade distinta. Quase nos hipnotizavam com sua graça e ligeireza de movimento. E as cordas que sons lindos emitiam! Eram pressionadas pelos dedos da mão esquerda na tensão apropriada, ao passo que a mão direita as de­dilhava com facilidade e controle magistral.

A lua era clara do lado de fora, e as sombras escuras esta­vam imóveis; o rio se via logo após a janela, um fluxo de prata em contraste com as árvores escuras e silenciosas da outra mar­gem. Uma coisa estranha acontecia no espaço que é a mente. Ela vinha observando os movimentos graciosos dos dedos, ou­vindo os doces sons, observando as cabeças que se moviam suavemente e as mãos rítmicas da plateia silenciosa. Subita­mente, o observador, o escutador, desapareceu; ele não fora in­duzido à suspensão pelas melódicas cordas, mas estava total­mente ausente. Havia apenas o vasto espaço que é a mente.

Todas as coisas da Terra e do homem estavam nela, mas se encontravam em seus limites exteriores, fracas e remotas. Dentro do espaço no qual nada havia, existia um movimento, e o movimento era a quietude. Era um movimento profundo e vasto, sem direção, sem motivo, que começava nos limites externos  e avançava com incrível força ao centro - um centro que se encontra em toda parte  no interior da quietude, no interior do movimento que é o espaço. Esse centro é total solitude, incontaminada, incognoscível, uma solidão que não é isolamento que não tem fim nem começo. É completa em si mesma, não é inventada; os limites externos estão nela, mas não lhe pertencem. Ela está lá, mas não no interior do escopo da mente humana. É o todo, a totalidade, mas não é abordável.

Havia quatro deles, todos rapazes que tinham aproximadamente a mesma idade, entre 16 e 18 anos. Bastante tímidos, eles precisavam de persuasão, mas, uma vez que começaram, mal podiam parar e suas perguntas ansiosas saíam aos borbotões. Dava para notar que eles haviam conversado sobre tais assuntos entre si com antecedência e prepararam perguntas por escrito; mas, após a primeira ou a segunda, esqueceram o que haviam redigi­do, e suas palavras fluíam livremente dos próprios e espontâneos pensamentos. Embora não fossem filhos de pais abastados, eram imaculados e asseados em seu vestir.

"Quando conversou com os estudantes, há dois ou três dias", começou o mais próximo, "o senhor disse algo sobre como a edu­cação correta é necessária para que sejamos capazes de encarar a vida. Debatemos esse tema entre nós, mas não compreendemos muito bem."

Que tipo de educação vocês têm agora?

"Ah, estamos na faculdade, e aprendemos as coisas habituais que são necessárias para determinada profissão", ele respondeu. "Eu serei engenheiro; meus amigos aqui estudam física, literatu­ra e economia, respectivamente. Estamos cursando o plano de estudos prescrito e lendo os livros indicados, e quando temos tempo, lemos um ou outro romance, mas afora os esportes estudamos a maior parte do tempo."

Vocês acham que isso é suficiente para terem boa educação para a vida?

"Pelo que o senhor disse, não", replicou o segundo. "Mas isso é tudo que temos, e achamos que, de modo geral, estamos sendo educados de modo geral."

 Aprender a ler e escrever apenas, cultivar a memória e passar em algumas provas, adquirir  certas capacidades ou habilidades para conseguir um  emprego - isso e educação?

"Mas isso não é necessário?"

Sim, preparar-se para ter um meio correto de ganhar o sus­tento é essencial; mas não é o todo da vida. Há também o sexo, a ambição, a inveja, o patriotismo, a violência e muitas outras coisas. Vocês estão sendo educados para encarar essa vasta coisa chamada vida?

"Quem pode nos educar?", perguntou o terceiro.

"Nossos mestres e professores parecem indiferentes. Alguns são inteli­gentes e cultos, mas nenhum dedica qualquer pensamento a esse tipo de coisa. Somos empurrados para a frente, e teremos sorte se conseguirmos obter nossos diplomas; tudo está se tornando bem difícil."

"Exceto por nossos impulsos sexuais, que são bastante definidos", disse o primeiro, "não sabemos nada da vida; todo o resto parece vago e remoto. Ouvimos nossos pais reclamando de falta de dinheiro, e percebemos que eles estão presos em certas rotinas pelo resto de seus dias. Assim, quem pode nos ensinar sobre a  vida?"

Ninguém pode lhes ensinar, mas vocês podem aprender. Há uma vasta diferença entre aprender e ser ensinado. Aprender acontece ao longo da vida, ao passo que ser ensinado acaba dentro de algumas horas ou anos - e depois, pelo resto de sua vida, vocês repetirão aquilo que lhes foi ensinado, que logo se torna cinzas mortas; e assim a vida, que é algo vivo, torna-se um campo de batalha de esforços vãos. Vocês são atirados na vida sem tranquilidade ou oportunidade para compreendê-la; antes que saibam qualquer coisa sobre a vida, já estão bem no meio dela, casados, amarrados a um emprego, com a sociedade implacavelmente esbravejando a seu redor. Deve-se aprender sobre vida desde a mais tenra infância, e não no último instante; quando já estão chegando à idade adulta; é quase tarde demais.


Vocês sabem o que é a vida? Ela se estende do momento em que nascem ao momento em que morrem, e talvez além. A vida é um todo vasto e complexo; é como uma casa em que tudo está acontecendo a um só tempo. Vocês amam e odeiam; são cobiçosos­, invejosos e ao mesmo tempo, sentem que não deveriam ser. São ambiciosos, e há frustração ou sucesso, seguindo o rastro da angústia, do medo e da crueldade; e, cedo ou tarde, chega o sen­timento da futilidade de tudo isso. E há os horrores e a brutalida­de da guerra, e a paz pelo terror; há o nacionalismo e a soberania, que apoiam a guerra; há a morte ao fim da estrada da vida, ou em algum ponto no meio dela. Há a busca por Deus, com suas cren­ças em conflito e as disputas entre religiões organizadas. Há o esforço para conseguir e manter um emprego; há casamento, fi­lhos, doença e o jugo da sociedade e do Estado. A vida é tudo isso, e muito mais; e vocês são atirados nessa bagunça. Em geral, afundam nela, infelizes e perdidos; e se vocês sobrevivem subin­do até o alto da escala, ainda são parte da bagunça. Isso é o que chamamos vida: perpétuo esforço e dor, com um pouco de ale­gria ocasional. Quem lhes ensinará tudo isso? Ou melhor, como vocês aprenderão sobre ela? Mesmo que tenham capacidade e talento, são atormentados por ambição, pelo desejo de fama, com suas frustrações e infelicidades. Tudo isso é vida, não é assim? E ultrapassar tudo isso também é vida. ­


Texto selecionado para estudo em Loja realizado em 03.09.13.

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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