quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Comentários sobre o viver, por Krishnamurti (2)

Sem bondade e amor, não somos educados (2)

"Felizmente, ainda sabemos pouquíssimo sobre toda essa luta" prosseguiu o primeiro, mas o que o senhor menciona já está potencialmente em nós. Eu quero ser um engenheiro famoso,  quero vencer todos os outros; portanto, tenho de trabalhar e conhece as pessoas certas; preciso planejar calcular o futuro. Devo abrir meu caminho na vida."

Aí está. Todos dizem que devem abrir seu caminho pela vida; cada um por si, seja em nome dos negócios, da religião ou do país. Você quer ser famoso, e o mesmo quer o seu vizinho, e o mesmo quer o vizinho dele; e é assim com todos, desde o mais alto ao mais baixo na Terra. Assim, construímos uma sociedade baseada em ambição, inveja e aquisição, em que cada homem é inimigo do outro; e vocês são "educados" para se conformar a essa sociedade em desintegração, para se encaixar em sua estru­tura perversa. 
     
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"Mas o que podemos fazer?", perguntou o segundo. "Acho que devemos nos conformar à sociedade ou ser destruídos. Exis­te alguma saída para isso, senhor?"

No presente, vocês são supostamente educados para se encai­xar nessa sociedade; suas capacidades são desenvolvidas para ga­nhar o sustento dentro desse padrão. Seus pais, os educadores, o governo, todos estão preocupados com sua eficiência e segurança financeira, não estão?

"Não sei do governo, senhor", comentou o quarto, "mas nos­sos pais gastam o dinheiro arduamente ganho para permitir que tenhamos um diploma universitário, para que possamos obter uma forma de sustento. Eles nos amam."

Amam mesmo? Vejamos. O governo deseja que vocês sejam eficientes burocratas para dirigir o Estado, bons trabalhadores industriais para manter a economia e soldados capazes de matar "o inimigo"; não é assim?        

 "Suponho que o governo queira isso. Mas nossos pais são mais bondosos; eles pensam em nosso bem-estar e querem que sejamos bons cidadãos."      

Sim, eles querem que vocês sejam "bons cidadãos, o que significa ser respeitavelmente ambicioso, perpetuamente acumulador e participante da crueldade socialmente aceita que se chama competição, para que eles possam estar seguros. Isso é o que constitui o assim chamado bom cidadão; mas será de fato bom ou algo muito maléfico? Vocês dizem que seus pais os amam; mas será mesmo? não estou sendo cínico. O amor é uma coisa extraordinária; sem ele a vida é estéril. Vocês podem ter muitas posses e ocupar o trono do poder, mas, sem a beleza e a grandeza do amor, a vida logo se torna infelicidade e confusão. Amor indica que aqueles que são amados recebem total liberdade para crescer em sua plenitude, para ser algo maior do que meras máquinas sociais, não é? O amor não obriga, nem abertamente nem por ameaças sutis de deveres e responsabilidades. Onde há qualquer forma de coerção ou uso de autoridade, não há amor.

 "Não acho que este seja o tipo exato de amor de que meu amigo estava falando", disse o terceiro.

 "Nossos pais nos amam, mas não dessa maneira. Conheço um garoto que quer ser artista, mas o pai quer que ele seja um homem de negócios e ameaça abandoná-lo se o filho não cumprir esse dever."

O que os pais chamam de dever não é amor, é uma forma de coerção; e a sociedade apoiará os pais, pois o que eles estão fazen­do é muito respeitável. Os pais estão ansiosos para que o menino encontre um emprego seguro e ganhe algum dinheiro; mas, com uma população tão enorme, há mil candidatos para cada emprego, e os pais acham que o menino jamais ganharia seu sustento com arte; portanto, tentam forçá-lo a abandonar o que veem como um capricho tolo. Consideram uma necessidade que se conforme à sociedade e que seja respeitável e seguro, isso é o que chamam de amor. Mas será amor? Ou é medo, coberto pela palavra amor?

"Quando você coloca dessa maneira, não sei o que dizer, replicou o terceiro. Existe alguma outra maneira de colocar? O que acabou de ser dito pode ser desagradável, mas é um fato. A chamada educação que vocês têm agora, obviamente, não os ajuda a encarar esse vasto complexo da vida; vocês chegam despreparados e são engolidos por ele.

"Mas quem pode nos educar para compreender a vida? Não temos tais mestres, senhor.
O educador também dever ser educado, Os mais velhos dizem que vocês, a próxima geração, devem criar um mundo diferente, mas eles não acreditam nisso, de modo algum. Pelo contrário, com muito pensamento e cuidado, eles se dedicam a "educá-los" a se conformarem ao velho padrão, com alguma modificação. Embora digam coisas muito diferentes, os professores e pais, apoiados pelo governo e pela sociedade em geral, garan­tem que vocês sejam treinados de modo que se conformem à tra­dição e aceitem a ambição e a inveja como o modo natural da vida. Não estão minimamente preocupados com um novo modo de vida, e é por isso que o próprio educador não está sendo cor­retamente educado. A geração mais velha criou este mundo de guerra, este mundo de antagonismo e divisão entre homem e homem, e a nova geração segue aplicadamente em seus passos.

"Mas nós queremos ser educados corretamente, senhor. O que podemos fazer?"

Antes de tudo, vejam claramente um fato simples: que nem o governo, nem seus presentes professores, nem seus pais se interessam por educá-los corretamente; se fosse o caso, o mundo seria completamente diferente, e não haveria guerra. Assim, se vocês querem ser corretamente educados, terão de faze-lo sozinhos, e quando forem adultos, vocês se certificarão de que seus próprios filhos sejam corretamente educados.    

"Mas como podemos nos educar corretamente? Precisamos de alguém para nos ensinar." 

Vocês tem professores para instruí-los em matemática, literatura e outras coisas, mas a educação é algo mais profundo e amplo que o mero acúmulo de informações. Educação é o cultivo da mente de modo que a ação não seja autocentrada; é aprender ao longo da vida a derrubar as paredes que a mente constrói para estar segura e de onde surge o medo com todas as suas complexidades. Para serem corretamente educados, vocês têm de estudar muito e não ter preguiça. Sejam bons em jogos, não para vencer o outro, mas para se divertir. Comam a comida certa, e mantenham-se fisicamente saudáveis. Deixem que sua mente esteja alerta e capaz de lidar com os problemas da vida, não como hin­du, comunista ou cristão, mas como ser humano. Para serem corretamente educados, vocês devem compreender a si mesmos; têm de seguir aprendendo sobre si mesmos. Quando param de aprender, a vida se torna feia e infeliz. Sem bondade e amor não somos corretamente educados.


Texto selecionado para estudo em Loja realizado em 03.09.13.

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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