quarta-feira, 1 de julho de 2015

A consciência

Extraído do livro “A Dança do Vazio”, de Adyashanti

Quando a consciência ou espírito decide manifestar-se como um objeto - seja uma árvore, uma pedra, um esquilo ou um carro - , isso não constitui um grande problema. No entanto, quando ela se manifesta e se esforça para se tornar autoconsciente e ter autopercepção, isso parece um negócio bastante complicado. Eu estou falando da vida humana, quando a consciência ou espírito se manifesta como ser humano. Neste processo, a consciência quase sempre se perde. Os seres humanos são, por natureza, autoconscientes, mas parece que o preço que se paga para a consciência se tornar autoconsciente é quase sempre a perda da verdadeira identidade.

A consciência acontece na manifestação, o que não é um problema, e depois ela tenta se tornar autoconsciente. No processo de tornar-se autoconsciente, ela quase sempre comete aquilo que se poderia chamar de erro. Não é um erro, e sim um lapso na evolução do processo de tornar-se verdadeiramente autoconsciente. Nesse lapso, a consciência se perde naquilo que ela criou e ela se identifica com essa criação. Esse lapso chama-se condição humana.

Quando a consciência esquece a si mesma, ela pode cometer todo tipo de erro. O primeiro erro que ela quase sempre comete é identificar-se com tudo o que ela criou, neste caso, um ser humano. É como uma onda que esquece que pertence ao oceano. Ela esquece a sua origem. Então, em vez de ser todo o oceano, ela sofre com a horrível ilusão de que ela é apenas uma onda na superfície do oceano. E assim ela tem uma experiência muito superficial de si mesma. Claro que ela ainda é consciente de si própria, mas consciente de algo que é extremamente superficial e limitado. E como tudo com que ela se identifica é uma onda muito pequena, ela cria todo tipo de confusão, porque essa identidade não é verdadeira. Qualquer coisa que não é verdadeira, de modo muito natural leva ao sofrimento, e a única razão de existir sofrimento ou conflito é a ignorância. A identidade, no início, é um erro bastante inocente. Ela começa incrivelmente inocente, assim como muitas outras coisas começam inocentes. Mas, quando isso se afasta do limite, as consequências não parecem tão inocentes.

Isso é parte natural da condição humana. Parece ser parte do desenvolvimento evolutivo que a consciência experimenta através do ser humano. Por exemplo, quando se pensa no desenvolvimento como humano, sabe-se que a pessoa nasce, passa pelas fases da infância e da adolescência, e então espera-se que ela consiga se tornar um adulto, caso ela consiga sair da adolescência, o que é questionável. Pode ser que você olhe para trás e diga: "Bem, eu era muito estúpido quando eu tinha dez anos, e mais estúpido ainda aos dezessete. Depois, de certo modo, entre os vinte e cinco e os quarenta e cinco, eu acho que fiquei mais esperto.” Pode ser que você olhe para trás e veja todas essas fases anteriores de desenvolvimento como um erro, como algo que não deveria ter existido, mas isso seria uma interpretação errônea dos fatos. Tudo foi apenas uma parte natural do processo da vida adulta.

Espiritualmente, a condição humana é parte natural da evolução da consciência tentando se tornar consciente através da forma. A consciência considera a si própria como sendo a forma, não a origem da forma. Quando a consciência comete esse erro de identificação, ela sofre com a tremenda ilusão da separação. Daí vem o isolamento que a maioria dos seres humanos sente no coração, não importa quantos outros estejam à sua volta, não importa o quanto sejam amados. Eles precisam se sentir sozinhos, porque têm absoluta certeza de que são diferentes e separados de todos os outros.

Felizmente, isso é apenas um lapso no desenvolvimento da consciência. Como vem acontecendo há tantas eras, a condição humana, na verdade, é apenas um lapso. Quando alguém desperta desse lapso, o qual significa que a consciência evolui através da forma humana, a consciência avança tão longe que a pessoa amadurece para além desse lapso de separação, algo muito parecido com o processo de amadurecimento da criança para o adulto. Essa pessoa nós chamamos de ser humano liberto.

Liberto de quê? A consciência se liberta do erro, da falsa identificação e da separação. A consciência ou espírito é bastante astuta e sábia. Ela tem muitas coisas à sua disposição enquanto ser humano. Nas formas de vida que não possuem percepção consciente, a evolução não pode acelerar ou desacelerar. A evolução só se movimenta na velocidade em que a forma de vida sem percepção consciente se movimenta. No entanto, quando a consciência se torna consciente de si própria num ser humano, ela estabelece uma dinâmica muito interessante, não disponível para qualquer outra forma de vida planetária. A dinâmica é que quando a consciência desperta da ilusão de que ela é um ser separado, ela pode então usar essa forma de despertar a si própria num sentido muito mais amplo. Quando a consciência desperta para o fato de que ela, na verdade, não é uma onda, mas o oceano do ser, ela pode então usar-se como onda para difundir a mensagem, e fazer com que as outras ondas contemplem essa possibilidade de despertar.

Nos seres humanos, essa evolução pode acelerar incrivelmente porque a consciência penetra numa espécie de conspiração. Uma vez que a consciência desperta no âmbito da forma, ela não tem que esperar acontecer uma maturação natural em todas as outras formas. Quando essa forma se relaciona com outra forma, é a consciência desperta se relacionando com a consciência adormecida. Assim a consciência adormecida fica muito mais propensa a dar esse grande salto que é o despertar. Esse é o jogo que a consciência joga na satsang. É disto que se trata.


Estudante: Eu tenho estado numa situação difícil desde o último retiro. Estou me deparando com muitas emoções dolorosas que eu suprimi por muitos anos e elas não são agradáveis. Eu venho presenciando essas emoções, aprendendo sobre elas e eliminando-as. Isso não é divertido.

Adyashanti: Não era esse o previsto, era?

Estudante: Não era. Eu fiz o que você sugeriu. Encontrei aquela parte de mim que sabe que está absolutamente certa de que está tudo bem. Confiei nisso cem por cento. Encontrei uma extraordinária sensação de poder, um incrível sentimento de que está tudo bem, apesar de misturado com essas emoções horríveis de raiva e tristeza que ainda estão surgindo.

Mas agora que eu estou numa situação melhor, tenho notado que estou meio fora de sincronia. É como se eu fosse um adolescente desajeitado, um menino mudando de voz. Às vezes a voz sai de um jeito, às vezes de outro jeito. Antigamente eu não precisava de relógio. Não me importava se eu estava no horário ou atrasado, eu sempre chegava na hora certa para que tudo saísse perfeito. E quando surgia alguma situação, eu sempre entendia instantaneamente por que aquilo estava surgindo, o que eu deveria fazer naquela situação e como isso beneficiaria ao máximo a todos que estivessem ali. Eu conseguia ver a coisa como um todo.

Mas toda essa sincronicidade agora desapareceu, embora a energia, o sentimento positivo e a confiança ainda estejam presentes. Quando você já esteve numa situação melhor e depois essa situação se deteriora por um tempo, isso é muito doloroso, porque você já viu como aquela situação pode ser, mas agora você não está mais nela. Existe algum conselho para uma pessoa que está passando por essa fase de incorporar o adolescente desajeitado?

Adyashanti: Primeiro de tudo, é importante ter uma compreensão clara do contexto. Podemos chegar a um lugar de percepção intensa e profunda, um lugar maravilhoso e muito libertador. Mas, o erro que cometemos muitas vezes é que mais tarde, quando a sincronicidade ou alguma outra experiência maravilhosa já não está mais acontecendo, pensamos que perdemos algo. Na verdade, isso é uma interpretação particular, que raramente se examina.

O que acontece, de fato, é semelhante à experiência humana de passar por estágios de desenvolvimento. Lembra a experiência de entrar na adolescência quando se tem doze anos e meio, de ainda não estar na adolescência, de estar deixando a infância? Aquilo que na infância parecia tão maravilhoso não está mais disponível. As coisas que eram divertidas não são mais tão divertidas assim, e a nova maneira de desfrutar a vida não é muito óbvia. É estranho e você comete erros, se é que se pode chamá-los assim. Você pode olhar para aquela época com uma compreensão bastante clara. Não que você estivesse renegando a infância, mas que você estava ultrapassando essa fase. À medida que você estava ultrapassando essa fase, você estava deixando tudo isso para trás. Era desconfortável porque era assim que você sabia viver a vida. E ainda assim você ainda não tinha entrado na adolescência plena. A mesma coisa acontece na passagem de adolescente para adulto. Pode ser desconfortável, mas não há erro algum. Em retrospectiva, estes são os chamados estágios de desenvolvimento. Em vez de renegar a infância e a adolescência, você as ultrapassa.

Espiritualmente, você pode chegar a certos lugares maravilhosos; mas, se eles não forem completos e absolutamente verdadeiros, mais dia, menos dia, você irá ultrapassá-los. Você não acha que é bom deixá-los para trás, porque é onde você está confortável e onde o novo ainda não se revelou. Então, a interpretação errônea que se faz geralmente é que você renegou a percepção que teve anteriormente, por mais maravilhosa que ela tenha sido, ao invés de ter atingido o limite dessa percepção. Quando você amadurece, é hora de abandonar os estágios anteriores. Torna-se muito difícil abandonar esses estágios, quando você diz que os renegou e não que você amadureceu com eles. São interpretações completamente diferentes. Uma significa que você está tentando agarrar ou recuperar aquilo que existia antes. A outra significa que você está olhando por cima dos ombros e dando adeus a isso, como tendo sido uma experiência agradável, percebendo que algo mais maduro está chegando.

Esse é um contexto que eu acho que irá ajudar. Você vê como é vital a interpretação que você dá à sua experiência. Você vê que a mente é condicionada a dar interpretações que geralmente não são corretas. Na verdade, uma interpretação incorreta cria mais sofrimento e torna a dificuldade muito pior do que ela precisa ser. Quando você sabe disso, você para de ficar buscando lá atrás aquilo que você já teve um dia. Você fica mais interessado no não-conhecido, no qual você está penetrando. Você dirige toda a sua atenção para adiante. Essa realmente é a melhor coisa que você pode fazer, nada mais do que isso.

Estudante: Eu acho que eu estava fazendo isso, até que cheguei num lugar em que eu ficava olhando tanto para as emoções negativas que acabei chegando no limite. É muito difícil ficar olhando adiante quando se está passando por isso meses a fio.

Adyashanti: Mas isso não é olhar adiante. Isso não é necessariamente o que eu estou falando. O que acontece para a maioria das pessoas é que quando surge algo negativo na experiência, toda a consciência se dirige para esse negativo como um raio laser. Digamos que você está deprimido. Para a maioria das pessoas, toda a consciência irá voltar-se justamente para esse estado depressivo e, de repente, o que era parte de uma experiência vastíssima de inúmeras coisas, agora é um problema, porque você já está focado nele, e parece que essa é a única parte significativa da experiência. Isso só porque a mente optou por concentrar-se no problema e torná-lo a única coisa que está acontecendo, mesmo que isso seja uma experiência dentre muitas outras.

Estudante: Eu vejo que os sentimentos negativos são aspectos mínimos de mim mesmo, e é muito claro que antes eu jamais conseguia enxergá-los. Eles vieram à tona, foram analisados antes de se tornarem conscientes e depois entraram numa espécie de limbo. Eles não estavam mortos. Estavam bem ali, suprimidos.

Então, a consciência começou a notá-los, antes que eles pudessem ser enterrados. E isso se tornou uma nova lição: ser capaz de reconhecer essas coisas antes que elas sejam julgadas, antes que elas se tornem inconscientes. Se essa é a lição, como é que você permite que os sentimentos difíceis surjam sem que você fique preso neles?

Adyashanti: Bem, é como se nós pintássemos pontos pretos nessa parede. Os pontos teriam 2,5 cm de diâmetro e estariam separados uns dos outros a uma distância de 7 a 10 cm e toda essa parede estaria coberta de pontos pretos. Quando nós entrássemos na sala, a primeira coisa que veríamos normalmente seriam todos os pontos pretos. "Meu Deus, essa parede está cheia de pontos pretos! Ela só tem pontos pretos!" Mas, na verdade, ela não está coberta de pontos pretos. Há mais espaço em branco do que pontos pretos. Mesmo que nós fizéssemos esses pontos menores, do tamanho da cabeça de um alfinete, ainda assim iríamos notá-los e pensaríamos “Esta parede está cheia de pontos pretos.” Mas, na verdade, há mais espaço em branco do que pontos pretos. Os pontos pretos são apenas para onde a percepção se dirige.

Quando o despertar começa a surgir, todo o material reprimido também começa a surgir, e a tendência é a consciência contrair-se em torno do material reprimido. É claro que parece terrível quando a consciência faz isso, ao invés de ela apenas descansar e enxergar tudo como um todo. Com certeza, há um monte de coisas que vem à tona e, agora que você está ciente disso, você pode deixá-las surgir. Isso não significa que você tenha que se contrair em torno de cada coisa que vem à tona. É algo muito parecido quando você olha para a parede branca com pontos pretos. Basta você deixar a sua consciência apreciar a parede como um todo. Conscientize-se que a parede é mais espaço em branco do que pontos pretos. Não ignore os pontos, mas também não ignore o espaço.

Estudante: Eu acho que você precisa confiar que se você não se concentrar nas coisas negativas, elas não vão continuar reprimidas. Você precisa confiar que isso pode ser automático.

Adyashanti: Certo. Você precisaria entrar em cumplicidade com elas para reprimi-las. É o que você sempre fez. Você recalcou essas coisas lá no fundo. Mas agora você está vendo conscientemente essas coisas virem à tona, certo? Tudo que você tem a fazer é observá-las "Ah, elas estão surgindo conscientemente." Isso significa que você não está reprimindo.

Estudante: Eu não tenho que esperar até elas desaparecerem. Não tenho que vê-las desaparecer. Eu posso observá-las e depois prestar atenção em outras coisas. Posso deixá-las fazer tudo aquilo que vieram fazer.

Adyashanti: Isso mesmo. Então tudo irá se harmonizar novamente. Mas geralmente o que a gente faz quando o material reprimido surge é manipulá-lo, esmiuçá-lo ou, no mínimo, analisá-lo como se estivesse usando um microscópio.

Estudante: Certifique-se de observá-lo até ele ir embora.

Adyashanti: Exatamente. Como você supõe que não é para ele estar lá, você irá observá-lo até ele ir embora, para então você poder se sentir seguro e relaxar.

Estudante: Eu acho que a minha hipótese era de que se eu não olhasse para os sentimentos negativos, eles continuariam a fazer o que faziam antes. Agora eu sei definitivamente que essa não é a maneira que eu tenho de viver. Toda vez que eu notar um sentimento negativo, eu posso simplesmente deixá-lo passar.

Adyashanti: Sim. É importante ver que o material reprimido surge da consciência e é para a consciência que ele retorna. Todo esse material é impermanente. É um episódio totalmente impessoal, essa é a beleza da coisa. Quando você sabe que você é a consciência, não há repressão alguma, não há apropriação. É como se você fosse o céu. Você não afasta as nuvens, nem traz as nuvens para junto de si para que elas não se afastem de você. O céu, de modo inerente e completo, não se afeta quando chega uma tempestade, nem quando cai um relâmpago, nem quando se instala o caos. Isso não tem muita importância, desde que o céu se lembre que ele é céu.

É muito fácil ser enganado de modo inocente. É como se você estivesse no cinema, assistindo um filme e, de repente, os personagens ganhassem vida e o convidassem para entrar no filme e você entrasse no filme. Parece que tudo o que acontece no filme tem a ver com você, e você tem a certeza de que você é o personagem do filme. Então, por alguma razão misteriosa, você desperta e de repente percebe, "Ah, eu estou aqui no cinema, comendo pipoca e bebendo Coca-Cola! Todo esse tempo que eu passei pensando que estava dentro do filme foi um equívoco. Eu estou sentado aqui, assistindo o filme. Eu pensei que fosse real, mas não é." Isso é semelhante ao que a consciência faz. Ela projeta essa coisa chamada ser humano e fica tão encantada com isso que ela criou, que ela mesma se perde nessa criação.

Estudante: No lugar onde eu estou, eu sei absolutamente que estou assistindo o filme, e duvido que eu fique preso no filme. De repente, tudo ao meu redor me faz parecer que eu estou no filme. Eu sei que eu estou sentado na poltrona, mas todos os meus sentidos entram em conflito com essa informação.

Adyashanti: Isso é parte do processo de maturação em andamento, o processo de aprender que os seus sentidos, o que você pensa, e o que você sente não são indicadores do que você é.

Estudante: Você não pode confiar.

Adyashanti: Tudo aquilo que você pensa ou sente a respeito de si mesmo não tem nada a ver com você, de maneira alguma. Portanto, continue sendo o que você é: nada. Deixe vir à tona o seu material reprimido e esteja consciente durante esse processo.Não fique inconsciente nem entre em estado de transe. Não faça qualquer análise, apenas permita vir à tona tudo aquilo que quer vir à tona. Questione todas as hipóteses e interpretações, todas as histórias que você criou. Não se reprima, nem se entregue. Apenas fique sossegado, indague a si mesmo, fique consciente.

Um dos aspectos para você não ficar preso na ilusão é parar de fazer referência à sua forma de pensar e sentir. Uma parte importante da sabedoria é parar de fazer referência aos pensamentos e sentimentos positivos. Nós estamos mais dispostos a desistir daqueles que são negativos. No entanto, quando nos deparamos com a felicidade, o êxtase, a alegria e liberação da verdadeira revelação, e todas as emoções que consideramos espirituais, dizemos a nós mesmos: "Eu sou isso. Como é que eu sei que eu sou isso? Eu devo ser isso, porque me sinto muito bem. Eu sinto a felicidade, o êxtase, a alegria. É dessa forma que eu sei quem eu sou, o que eu sou, que eu estou seguro". Porém, você ainda está embarcando na percepção sensorial. Quando você embarca nas percepções sensoriais para elas dizerem quem você é, tudo é apenas uma questão de tempo até os sentidos mostrarem sua outra face, o lado negativo, e você dizer: "Ah, meu Deus, eu estou preso na ilusão."

Um dos aspectos da maturação é perceber que você não só desiste das percepções negativas, como também das positivas. Você desiste de toda a estrutura que foi usada para lhe dizer quem e o que você é. Então, você percebe que este corpo-mente experimenta tudo aquilo que ele experimenta, porque você é o espaço consciente para que ele tenha todas essas experiências. Realmente não importa o que a experiência seja. O que acontece é que, quanto mais você faz isso, o corpo-mente tende a refletir essa sabedoria por se sentir muito bem. Mesmo quando ele se sente muito bem e muito feliz, você ainda pode cair na sedução de identificar-se com essas emoções agradáveis. No momento que você é seduzido e pensa que essas emoções dizem alguma coisa a seu respeito, tudo é apenas uma questão de tempo até você ser pego na separação novamente.

A mente quer ancorar, fixar, manter um conceito, mas a única maneira de você poder ser realmente livre é não fixar. Isso é parte da verdadeira maturidade, e é uma das coisas mais difíceis por que passam as pessoas espiritualizadas que tiveram revelações profundas e verdadeiras: aceitar o grau de rendição necessária para abrir mão literalmente de toda a experiência e de toda a autorreferência. Mesmo nas grandes revelações, quase sempre há algo que quer afirmar, "Eu sou isso." Toda vez que você afirma: "Eu sou isso", você apenas afirma outra percepção sensorial, um pensamento, uma emoção ou um sentimento.

Consequentemente, quando você passa por isso um número suficiente de vezes, a mente compreende isso num nível mais profundo e se liberta completamente. Quando a mente se liberta, você sempre sabe quem e o que você é, ainda que você não consiga se definir ou se descrever ou mesmo pensar sobre isso. Você só sabe disso quando você é. Esta é a versão final da identidade e da separação.

Estudante: Você tem falado sobre liberar a parte pessoal. Parece que isso também é relevante para a meditação. Quando eu medito, o que acontece é que eu chego num lugar onde estou desperto, mas não estou percebendo nada. Imediatamente eu digo: "O que é que eu não estou percebendo?" Então, minha mente começa a girar. Portanto, me ajuda muito saber que não ter qualquer pensamento é o lugar que eu devo habitar tanto quanto puder.

Adyashanti: Você não precisa sequer tentar habitar esse lugar, porque, na verdade, você já habita esse lugar desde sempre. Pode ser que você perceba isso ou não, mas, nesse exato momento você está desperto. Você está tanto desperto, como você está em meditação profunda. Essa vigília ou consciência está tanto consciente da minha voz falando nesse momento, como ela está consciente de qualquer outra coisa. Ela é completa, integral, e nunca será mais do que ela já é. Ela já está nesse lugar. É por isso que todos os verdadeiros mestres espirituais sempre disseram que você já é iluminado, você simplesmente não sabe disso.

Assim, a pergunta passa a ser: como é que eu sei disso? Então você tem que começar a questionar profundamente toda suposição acerca de si próprio. Nós temos muitas suposições sobre quem somos e o que somos, mas, quando questionamos essas suposições, elas rapidamente se desfazem. Então, penetramos num lugar onde não sabemos quem somos. E finalmente, alcançamos a plena certeza de que não sabemos quem somos.

Você consegue enxergar que todo modo pelo qual você define a si próprio é apenas um conceito e, portanto, uma mentira. A mente simplesmente pára, porque ela não tem para onde ir. É óbvio que não se pode praticar esse parar, porque qualquer prática nesse sentido é apenas uma farsa. Esse parar acontece como resultado do insight, da sabedoria, do entendimento, nada mais. Isso não é uma técnica. Por isso que este é o caminho da sabedoria. Quando a mente entende a sua própria limitação, ela pára, e isso é muito natural. A mente só continua funcionando para encontrar a si própria, quando ela sofre sob a ilusão de que pode encontrar a si própria. Quando ela percebe que não consegue encontrar a si própria, ela pára, porque ela sabe que não há nada para ela fazer.

Quando eu digo que a mente pára, eu não quero dizer necessariamente que nenhum pensamento passa pela cabeça. Não é isso que significa esse parar da mente. Significa que a mente parou de interpretar a realidade. Então, você fica ali com a realidade nua e crua, sem qualquer distorção. Isso é uma experiência de profunda e libertadora liberdade. É o alívio de um grande fardo. Os pensamentos não precisam parar de passar pela sua cabeça. Nada tem que mudar de modo algum. Tudo que a mente precisa fazer é prestar atenção e indagar muito curiosa: "O que eu sou realmente?" A contemplação dessa pergunta irá levar você justamente para além do pensamento. Se você se perguntar agora "Quem sou eu?", qual é a primeira coisa que você sabe?

Estudante: A primeira coisa que eu realmente sei? Eu sou a definição que eu sempre me dou.

Adyashanti: Isso significa que você realmente não sabe?

Estudante: Sim.

Adyashanti: Então você sabe que não sabe. Ora isso é uma incrível revelação em si mesma e de si mesma. Quase sempre isso se perde, porque todas as pessoas têm a plena certeza de que elas sabem quem elas são. Você pode ter caminhado há cinco minutos, sem realmente ter pensado sobre isso, mas estando, emocionalmente, plenamente certo e agindo como se você soubesse quem você realmente é. É extremamente significativo quando o ser humano consegue de fato inquirir sobre isso e em vez de experimentar saber, ele consegue dizer a verdade: a verdade é que ele não sabe. Essa é uma grande verdade, quase sempre varrida para debaixo do tapete. Quando você percebe "Eu não sei quem eu sou," todo o seu alicerce de vida, de uma hora para outra, já não está tão firme sob os pés.

Quando você chega ao não-conhecido, não é que você tenha cometido algum erro. Você não deve experimentar saber, porque isso só leva você para dentro da mente, num loop infinito. A verdadeira liberação está além da mente. Então, quando você chega a esse não-conhecido, na verdade, você está justamente no limiar dessa liberação. Tudo que você tem a fazer é mergulhar no fato de que você não sabe. Nós vivemos a vida inteira na plena certeza de que, consciente ou inconscientemente, nós sabemos, e essa é toda a nossa experiência. O que é a experiência de não saber? Como é não saber?

Estudante: Eu não sei, mas é ótimo pensar que eu não sei.

Adyashanti: Ok, você já respondeu. É ótimo, não é? Quando você não fica ouvindo a mente, em pânico, "Ah, não! Eu preciso saber", você vai direto ao como é não saber. Isso é muito bom e muito libertador desde o início. É um grande alívio não saber, porque aquilo que você pensava que você era foi o que causou todos os seus problemas. Foi o portador de todos os seus fardos. Agora tudo isso está em questão: e se você estivesse enganado? Só de pensar é estimulante, não é?

Estudante: Isso me dá vontade de chorar, isso é muito bom.

Adyashanti: Que bom! Então, vá ao não-conhecido. Coloque ali a sua atenção. É tudo que você tem que fazer. "Como é não saber? Ah, é maravilhoso." Permita-se mergulhar nisso. Você não sabe através do saber; você sabe através do não saber. Ir cada vez mais fundo até estar a um milhão de quilômetros de distância de tudo o que você sabe. Isso significa estar além da mente. Então, o não saber irá reluzir e você saberá.

Estudante: Eu poderia ficar preso na armadilha de amar o não saber.

Adyashanti: Só quando você repousa no não saber, é que você sabe. É um paradoxo. Quanto mais você repousa no não saber, o que significa jamais apreender com a mente, mais a sua experiência direta é de que você sabe. Isso vem num lampejo.

Há muitas existências nós dançamos em frente à porta de entrada da liberdade. Fazemos piruetas no capacho e nunca sabemos exatamente quem somos. Basta um clique, um giro na maçaneta, para sabermos - isso é tudo. É tão fácil. Não é questão de ser difícil. A questão é as pessoas não saberem aonde ir. Quando você sabe aonde ir e você tem a coragem de ir até lá, isso é fácil. Vá ao não-conhecido, experimente o não-conhecido, seja o não-conhecido. Todo conhecimento verdadeiro desperta no âmbito do não-conhecido.

Berkeley, Califórnia, 10 de março de 2001

ADYASHANTI.  Emptiness dancing, pp. 75-92, Sounds True, Inc., Canadá: 2006, tradução Roberto Carlos de Paula.  Texto selecionado para estudo em Loja realizado em  30.06.15.

"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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