quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Sam Harris: A Morte e o Momento Presente

Transcrição do vídeo [10:18:00]

Eu penso que é seguro dizer que a realidade da morte é algo que todos iremos enfrentar, assim como a perda daqueles que amamos.
Não há um processo de aperfeiçoamento neste lugar, mesmo que você jogue o jogo com perfeição e que você se torne tão saudável quanto um vampiro, mesmo se você viver tempo suficiente, você vai testemunhar a morte de todos aqueles a quem você ama.
Em dado momento, o telefone vai começar a tocar e lá vem a má notícia!
Mesmo as nossas memórias são precárias.
Minha filha tem três anos e meio, eu fico espantado de perceber o quanto da vida dela eu já esqueci.
É só vê-la num vídeo feito há um ano, para você ficar espantado de ver como isso é estranho. Ela é uma pessoa completamente diferente agora.
Não existe uma maneira satisfatória de nos prendermos ao passado.
Na verdade, quando olhamos de perto, também não existe maneira insatisfatória de fazê-lo.
Estamos presos no momento presente.
A memória é um pensamento que surge no presente.
Estamos presos no momento presente com os nossos pensamentos e os nossos iPads!
O que o ateísmo tem a oferecer às pessoas nessas circunstâncias, às pessoas como nós, às pessoas mais medrosas e mais auto-iludidas do que nós, a esse grande corpo da humanidade que recua ante a mera sugestão de que um carpinteiro do século um pode não ser capaz de ouvir seus pensamentos, muito menos atender as suas preces?
O ateísmo como mera descrença em Deus não tem muito a oferecer.
É um corretivo para todo um conjunto de más idéias, mas ele não coloca nada no lugar das más ideias.
É um corretivo necessário, mas o que preenche o vazio é a ciência, a arte e a filosofia.
O ateísmo é apenas uma maneira de abrir espaço para uma conversa melhor.
O problema que enfrentamos, naturalmente, é um problema de exigir e convencer grande parte da humanidade a ter essa conversa melhor e isso é um problema político.
É um problema científico, é um problema interpessoal, é um problema da educação.
Mas o problema é que a maioria das pessoas na maioria das vezes está desesperada e quer acreditar em idéias ridículas e separatistas, evidentemente por razões emocionais, enquanto, de modo raramente explícito, o que realmente lhes preocupa é a morte.
Quando nós estamos debatendo sobre ensinar a evolução nas escolas, eu diria que nós estamos realmente debatendo sobre a morte.
Parece que essa é única razão para qualquer pessoa religiosa se preocupar com a evolução.
Porque se seus livros sagrados estão errados sobre nossas origens, muito provavelmente estão errados sobre o nosso destino após a morte.
Quando você diz a alguém:  “Você é um tolo por não acreditar na evolução” ou “Você é um tolo por pensar que o universo tem seis mil anos, eu acho isso pode ser traduzido como:  “Você é um tolo porque você pensa que a sua filha que morreu num acidente de carro está realmente no céu com Deus.  Essa é uma mensagem muito diferente.
Antes de eu chegar ao final desta frase, algo imprevisível e terrível irá acontecer com alguém em algum lugar e nós vamos ler sobre isso no jornal amanhã.
A questão é como pode uma pessoa prestes a sofrer uma tragédia dar-lhe um sentido?
A religião fornece resposta para isso.
É uma resposta injustificada, é uma resposta ruim, é uma resposta que vem com muitas outras responsabilidades, porque um ser fez nascer tantas respostas conflitantes e irreconciliáveis, portanto, o conflito religioso e o tribalismo político parecem algo impossível de ser superado.
Mas a religião realmente fornece uma resposta que a maioria das pessoas acha que precisa.
E o cisma entre os secularistas, o fato de que muitas pessoas nesta conferência são regularmente atacadas por criticarem a religião, continua a partir desse ponto.
As pessoas estão preocupadas com o sofrimento das outras pessoas.
Os cientistas e os jornalistas que fizeram carreira, atacando os chamados novos ateus estão preocupados com o sofrimento das outras pessoas.
Quando a sua filha morre num acidente de carro, acreditar que agora ela está no céu com Jesus tem que ser consolador, tem que ser consolador de tal maneira que nenhuma outra crença possa ser.
É verdade que há um lado sombrio nesse tipo de pensamento.
Eu conheço pessoas que sofreram tragédias como essa, no contexto da sua fé  elas descobriram que a crença numa vida após a morte era, na verdade, uma maneira para que os seus amigos não se conectassem com a sua dor e, de fato, isso  as prejudicou muito nessa circunstância.
Isso equivale a...
É um pouco embaraçoso... É um sinal de que você não tem fé.
O que está fazendo você sofrer realmente?
Se você acha que a pessoa que você mais ama neste mundo agora está num lugar melhor e você vai voltar a juntar-se a ela num piscar de olhos... Eu acho que podemos admitir que o ateísmo não oferece um verdadeiro consolo nesse ponto.
E isso não é uma coincidência.
Quando você está aberto a uma nova evidência, não há garantia de que as reformulações da sua visão do mundo serão consoladoras.
Quando você perde o Papai Noel, o que você recebe no lugar dele não é tão divertido.
A imagem dos seus pais estourando o limite do cartão de crédito e embrulhando presentes no pijama não é tão consoladora como a visão dos elfos no trenó e das oito renas voadoras.
Quando nós pensamos no que perdemos, quando abandonamos a religião, não é o feriado, nem a arquitetura, a música, a humildade, a reverência ou a profundidade. Tudo isso nós podemos manter dentro de uma visão muito pura da razão, e podemos manter sem mentir para nós mesmos, para os nossos filhos, para as outras pessoas e seus filhos, acerca da natureza da realidade.
Aquilo que nós perdemos, para o qual não existe substituto real, é o pleno consolo em face da morte.
Parece que queremos construir uma ponte para um mundo racional para que grande parte da humanidade possa cruzá-la.
Nós temos que lidar com esse fato.
A maioria de nós faz todo o possível para não pensar na morte.
Mas há sempre uma parte da nossa mente que sabe que não podemos continuar para sempre.
Uma parte de nós sempre sabe que basta estar a um passo de uma consulta médica ou de um telefonema para lembrarmos nitidamente o fato da nossa própria mortalidade ou daqueles mais próximos de nós.
Eu tenho certeza que muitos de vocês nesta sala já experimentaram isso de alguma forma. Vocês devem saber como é estranho de repente você se retirar da sua rotina normal de vida e ter que se dedicar integralmente a não morrer ou a cuidar de alguém que esteja morrendo.
Hitch escreveu brilhantemente sobre isso na Vanity Fair. Eu sugiro que vocês leiam os artigos dele se ainda não leram.
Mas a única coisa que as pessoas tendem a perceber em momentos como esse é que elas desperdiçaram muito tempo, quando a vida era normal.
Não é só o que elas fizeram com o tempo delas.
Não é só porque elas passaram muito tempo trabalhando ou compulsivamente checando e-mails.
É porque elas se preocuparam com as coisas erradas.
Elas se arrependem daquilo com que se preocuparam.
A atenção delas estava presa a preocupações mesquinhas, ano após ano, quando a vida era normal.
Isso é um paradoxo, naturalmente, porque todos nós sabemos que essa epifania vai chegar.
Você não sabe que isso vai chegar?
Você não sabe que vai chegar um dia em que você vai adoecer ou alguém próximo a você vai morrer e você vai olhar para trás, para tudo aquilo que prendeu sua atenção e vai pensar "O que eu estava fazendo? ".
Você sabe disso, mas você é como a maioria das pessoas e passa a maior parte da sua vida tacitamente presumindo que viverá para sempre, assistindo um filme ruim pela quarta vez ou brigando com o seu parceiro.
Essas coisas só fazem sentido à luz da eternidade.
É melhor que haja o céu, se vamos desperdiçar o nosso tempo assim.  [20:14:00]

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