quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Sam Harris: A Morte e o Momento Presente



Transcrição do vídeo [00:00:00]

Muito obrigado.
É maravilhoso estar aqui.
É um grande prazer ter a chance de encontrar pessoalmente...
Pode arrumar o retorno do meu áudio aqui?
É uma grande satisfação encontrar muitos de vocês na platéia.
Nem sempre eu tenho uma chance disso acontecer. 
Não preciso dizer que é uma grande honra poder dividir o palco com o Dan, com o Richard, com a Aayann, com o Lawrence e com tantas outras pessoas extraordinárias.
Eu gostaria de aproveitar esse momento, como muitas pessoas já fizeram, para reconhecer o vazio deixado pela morte do nosso amigo Hitch.
Talvez possamos imaginar o que ele teria pensado a respeito dos diversos tópicos levantados aqui.
É quase impossível imaginar como ele teria expressado esses pensamentos.
Era um homem com mais sagacidade, estilo e conteúdo do que qualquer civilização que eu possa citar.
Então, não há o que fazer, senão aproveitar esse momento, e reconhecer a sua falta.
Na verdade, hoje eu quero falar sobre a morte.
Aliás, eu havia planejado falar sobre o livre arbítrio.
Já escrevi um livro sobre o assunto, inclusive o dediquei ao Hitch.
Uma ideia que me ocorreu é que muitos de vocês já devem ter visto esse livro ou assistido o vídeo no YouTube com a palestra que dei sobre isso, que chegou à internet há mais ou menos uma semana.
Então, eu decidi... Eu recomendo a vocês fazer uma dessas duas coisas, porque eu acho que o livre- arbítrio é um assunto importante.
Eu acho que as pessoas são potencialmente confusas sobre isso e também acho que essa confusão é extremamente relevante.
Mas eu decidi mudar o viés e falar sobre a morte, que talvez seja o único assunto que as pessoas acham mais deprimente do que a idéia de não possuir livre-arbítrio.
Meu objetivo aparente é deprimir vocês, não por livre-arbítrio próprio ou pelo lugar de onde falo.
Eu espero poder reanimar vocês no decorrer da palestra.
A realidade da morte é absolutamente central para a religião, tanto quanto a negação da morte é central para a religião.
Sem a morte, a religião baseada na fé seria impensável.
Do ponto de vista daqueles que têm fé, o ateísmo parece ser uma mera afirmação da morte.
Na verdade, parece que nós somos um culto à morte, porque somos as únicas pessoas que admitem que a morte é real.
A maior parte das opiniões ou toda opinião deixa a questão em aberto ou afirma que a morte é uma ilusão, e que as pessoas boas, ou as pessoas que acreditam nas coisas certas sobre um deus guerreiro da Idade do Ferro, elas conseguem tudo o que querem depois que morrem e então tudo o que parecia  anormal, indesejável ou meramente acidental nesta vida se resolve no final.
Uma convenção como esta é, de fato, uma declaração aberta e muito especial de que não existe qualquer probabilidade razoável de nada disso acontecer.
A boa nova do ateísmo, o evangelho do ateísmo, é essencialmente o “nada”, ou seja, nada acontece após a morte.
Não há nada para se preocupar, não há nada a temer.
Quando você morre, você volta ao “nada” que você era antes de nascer.
Essa proposição é muito difícil de entender e a maioria das pessoas parecem confundir o “nada” com “alguma coisa”.
Muitos dizem que o meu amigo Lawrence Krauss faz isso.
No caso da morte, parece que as pessoas pensam…
Elas imaginam que a morte é algo como uma eternidade de escuridão silenciosa, o que parece, de fato,  um pouco entediante.
Mas se nós estamos certos e se nada acontece após a morte, então, toda religião  inventada até hoje é falsa.
Mas se nós estamos certos e se nada acontece após a morte, a morte, portanto, não é o problema.
A vida é que é o problema.
O problema é que, sem Deus e sem uma promessa de existência eterna após a morte, a vida parece ser uma emergência.
É uma emergência de longa duração para muitos de nós, mas é uma emergência.
Você não pode deixar de notar que as coisas estão dando muito errado nesse lugar.
Não importa o quanto você esteja se divertindo, basta uma olhada no jornal para ver que não é possível ter divertimento algum, e parece que todos estamos numa maré de azar no final das contas.
É difícil não ver o absurdo da situação.
Você desembala o seu iPad novinho em folha, com o qual você espera poder desperdiçar uma quantidade enorme de tempo e atenção, e descobre, talvez até usando o próprio iPad, que as pessoas que construíram esse fascinante dispositivo  levam uma vida de trabalho tão penoso e insuportável que regularmente elas se atiram dos telhados das fábricas onde trabalham, redes foram instaladas para aparar a queda dos corpos.
Será que faz algum sentido haver disparidades e sortes desse tipo?
A religião é que dá sentido a isso.
″É o meu karma″.
 ″É da vontade de Deus que eu tenha tanta sorte″.
″Se Deus quisesse de mim fazer um trabalho tedioso, perigoso e mortal para ganhar alguns dólares por dia, seria exatamente isso o que eu estaria fazendo″. 
″Mas acontece que Ele quer que eu tenha um novo IPad.″
″Aleluia!″
Não acreditar em Deus é não recorrer a essas ilusões.
Não acreditar em Deus é saber que cabe a nós tornar o mundo um lugar melhor.
Nós mal emergimos de séculos de barbárie.
Não é nenhuma surpresa que existam desigualdades alarmantes neste mundo.
É tarefa difícil descer das árvores, andar ereto e construir uma civilização global e viável, se você já começa com uma tecnologia que se faz com pedras, galhos e peles. Isso é um projeto e o progresso é difícil.
Basta só imaginar que você está voltando cem gerações dentro da própria família.
Basta só imaginar isso numa espécie de mapa aberto nesta sala, talvez nesta fila da frente, considerando cem pessoas: o pai do pai, a mãe do pai, o pai do pai da mãe e assim por diante.
Eu não me importo se você é culto ou de uma família de boa educação.
Você pode ser o Matthew Chapman, tataraneto do Charles Darwin.
Mas se você continuar seguindo, em menos de cem relatos, você vai encontrar alguém que pensa que sacrificar o primogênito pode ser, de fato, uma boa maneira de controlar o clima.
É assim que...
Alguns de vocês provavelmente não precisam ir tão longe.
Só precisam ir para casa para passar o Natal.
O progresso real é um fenômeno muito recente.
Como vocês sabem, a religião em geral mantém o pé no freio.
Nos Estados Unidos, ainda precisamos debater sobre a anticoncepção, se as mulheres devem ter acesso ao controle da natalidade.
Esqueçam o aborto.
A anticoncepção ainda é algo pelo qual estamos lutando.
A Igreja Católica, uma das instituições mais ricas do planeta, irá se opor à anticoncepção até o último suspiro, e ao fazer isso, ela imagina estar exercendo uma moralidade calibrada com a maior precisão que a Terra jamais viu, o tempo todo alimentando um exército de estupradores de crianças, os protegendo da justiça secular, os transferindo de paróquia para paróquia para que possam encontrar novas vítimas, ameaçando essas vítimas com litígios intermináveis nesta vida e com o fogo do inferno na próxima.
O mau uso da energia humana, essa fabricação inútil de infelicidade, só confunde a mente.
O progresso moral e político é difícil, mesmo nas nações ricas, onde deveria haver nada além de progresso.
A maioria de nós sabe que, não importa o quanto progredirmos, é muito improvável que faremos deste mundo um paraíso.
Nós não iremos verdadeiramente torná-lo invulnerável ao insulto, à agressão e à morte.
É verdade que existem algumas pessoas sérias que pensam que podemos curar todas as doenças, inclusive o envelhecimento, ou fazer upload das nossas consciências numa espécie aprimorada de A.I., Inteligência Artificial.
Eu acho que quando olhamos de perto esses esforços, começa a parecer que a ciência ajuda a religião nesse ponto.
Eu não sei...
Eu tenho certeza que aqui temos aficionados por singularidade, mas eu não espero fazer back-up da minha consciência no iPad 25.
Eu ficarei feliz se provarem que eu estou errado, mas não tenho essa ilusão. [10:16:00]

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