terça-feira, 7 de agosto de 2012

Shodoka, o canto do satori imediato



"Pois a mente é qual um espelho: colhe pó enquanto reflete.
São necessárias as suaves brisas da Sabedoria da Alma para limpar o pó de nossas ilusões.
Procura, ó Principiante, fundir tua Mente e Alma."
(A Voz do Silêncio, H. P. Blavatsky)

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Conforme escreve no Diagrama da Sucessão Patriarcal no Ensino do Zen: "A Escola do Norte ensina que todos os seres são originalmente dotados de Iluminação, assim como e próprio ao espelho iluminar. Quando as paixões turvam o espelho, este fica invisível, como se estivesse obscurecido pela poeira. Se, de acordo com as instruções do mestre, os falsos pensamentos forem subjugados e aniquilados, eles não ressurgirão. A mente, então, ficara iluminada, como é por natureza, e nada deixará de conhecer. É como limpar um espelho. Quando não mais poeira, o espelho fica claro, nada deixando de refletir." De acordo com esse pensamento, o grande mestre e líder da Escola do Norte, Shen-hsiu, escreveu a seguinte gatha, que apresentou ao 5º Patriarca:

Este corpo é a árvore Bodhi,
A mente é como um espelho iluminado;
Empenhai-vos em mantê-la sempre limpa
Sem deixar que nela se junte o pó.

Mais adiante, Tsung-mi ilustra a posição de Shen-hsiu com a imagem de uma bola de cristal. A mente, diz ele, é como uma bola de cristal, destituída de cor própria É pura e perfeita, em si. Mas tão logo seja exposta ao mundo exterior, apresenta todas as cores e formas de diferenciação. Essa diferenciação está no mundo exterior; a mente, por si, não apresenta qualquer alteração. Suponhamos agora que a bola seja colocada diante de alguma coisa contrária ao que é, tornando-se, assim, uma bola escura. Por mais pura que fosse antes, é agora uma bola escura, sendo essa cor vista como se fizesse parte da natureza da bola desde o princípio. Apresentada deste modo a pessoas desprevenidas, estas imediatamente concluirão que a bola é turva e não se deixarão convencer facilmente sobre a sua pobreza essencial. Mesmo os que a conheceram pura acham-na agora escura porque assim a vêem; e esforçar-se-ão para limpá-la, segundo Tsung-mi, são os adeptos da Escola do Norte – aqueles que imaginam que se deve descobrir a bola de cristal em sua pureza sob o estado de obscuridade em que se encontra.

Essa atitude de “limpar a poeira”, que é a de Shen-hsiu e seus seguidores, leva inevitavelmente ao método quietista de meditação. Este, na verdade, era o método que eles recomendavam. Ensinavam o acesso ao samadhi por meio da concentração, e a purificar a mente fixando-a num só pensamento. Ensinavam, ainda que pelo despertar dos pensamentos um mundo objetivo se ilumina e que pelo recolhimento um mundo interior é percebido.

Shen-hsiu, como outros mestres zen, reconhece que a Mente existe e precisa ser procurada dentro da mente individualmente de cada um, a qual contém todas as qualidades do Buda. Essa verdade não é compreendida por estarmos sempre a correr atrás de coisas exteriores, que obscurecem a luz da mente interior. Em vez de fugir do próprio pai, aconselha Shen-hsiu, dever-se-ia voltar os olhos para dentro por meio da prática da tranquilização. Até aqui, muito bem, mas Shen-hsiu carece de penetração metafísica e seu método ressente-se dessa deficiência. É o que se acostuma chamar de “artificial” ou “fazer algo” (yu-tsu), o que é diverso de “nada fazer” (wu-tso) ou “estar em si mesmo” (tzu-hsing).

(A Doutrina Zen da Não-Mente, de D. T Suzuki, p. 15-16)

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“Não há árvore Bodhi,
nem o cessar do brilho do espelho.
Sendo tudo vazio, onde
poderia assentar o pó?”

"Desde o principio nada é" - eis a primeira proclamação de Hui-neng. Foi como uma bomba atirada ao campo de Shen-hsiu e de seus antecessores. Com isso, o Zen de Hui-neng delineou-se nitidamente contra a pratica de meditação zen do tipo limpar-a-poeira. Shen-hsiu não estava propriamente errado em seu ponto de vista, uma vez que razões para supor que seu próprio mestre, Hun-jen, o 5º Patriarca, que também fora o mestre de Hui­ neng, tivesse um ponto de vista semelhante, sem tê-lo no entanto enunciado explicitamente, da forma como o fez Shen-hsiu. Na realidade, o ensino de Hung-jen dava margem a que fosse estruturado tanto a moda de Shen-hsiu como a moda de Hui-neng. Hung-jen foi um grande mestre zen e fez surgir muitas personalidades fortes, que se tornaram grandes condutores espirituais de sua época. Dentre eles, Shen-hsiu e Hui-neng foram os que mais se destacaram, de diversas maneiras, e o campo ficou dividido entre ambos. Shen­ hsiu interpretava Hung-jen a sua maneira, o mesmo ocorrendo com Hui­ neng; e, como foi explicado, com o passar do tempo, este ultimo levou a melhor, por afinar mais com o pensamento e a psicologia do povo chinês.

Tudo faz crer que na doutrina de Hung-jen houvesse algo capaz de conduzir aos ensinamentos de Shen-hsiu, pois Hung-jen parece ter ensinado a "vigiar a Mente" todo o tempo. Como continuador de Bodhidharma. com certeza acreditava na Mente que, embora como fonte do universo em toda a sua multiplicidade, permanece em si mesma pura, simples, e iluminadora como o sol por trás das nuvens. "Vigiar a Mente Original" significa mantê-la livre (limpa) das nuvens da individualização que a obscurece, de modo a permitir que a sua luz pura se conserve intacta e sempre irradiante. Mas, desse ponto de vista, a concepção de Mente e da sua relação com a multiplicidade do mundo não se define com clareza; existe a possibilidade de se fazer confusão acerca desses conceitos.


Se a Mente é originalmente pura e imaculada, por que seria necessária limpá-la da sujeira que vem de Iugar nenhum? Essa "limpeza", que significa o mesmo que "vigia", não seria um processo injustificável para o praticante do Zen? A limpeza, sem dúvida, é um artifício completamente desnecessário.

Se o mundo brota da Mente, por que não deixar que brote a vontade? Tentar interromper essa gestação com práticas de "vigia" da Mente não seria um ato de interferência? A coisa mais Iógica e natural a fazer em relação a Mente seria deixá-la continuar com sua criação e sua iluminação.

O ensino de Hung-jen a respeito da vigilância sobre a Mente pode significar, para o praticante, uma vigia sobre seu próprio intelecto individual, a fim de que este não obstrua o caminho da Mente Original. Mas, ao mesmo tempo, existe o perigo de o praticante agir exatamente ao contrário da doutrina da não-interferência. Este é um ponto delicado, e os mestres devem ser absolutamente precisos a seu respeito - não só nos conceitos como nos métodos práticos de treinamento. Pode ser que o mestre tenha uma idéia bem definida daquilo que deseja realizar na mente do discípulo; mas este, na maioria das vezes, deixa de progredir em harmonia com o mestre. Por essa razão, os métodos devem variar não só em função da pessoa, como também em função da idade. E por essa mesma razão, os discípulos se batem pelas diferenças com veemência ainda maior do que os dois mestres, que preferem métodos diferentes.

Shen-hsiu talvez se inclinasse mais ao ensino do processo de vigiar a Mente, de limpar a poeira, do que ao método da não-interferência. Este apresenta perigosas armadilhas aos seus adeptos, pais resulta fundamentalmente da doutrina do Vazio, da não-existência, isto é, da ideia de que "desde o principia nada é".

Quando Hui-neng afirmou que "desde o principia nada é", a tônica do seu pensamento zen ficou configurada; e ela mesma nos permite ver a diferença entre este mestre e seus antecessores e contemporâneos. Essa tônica jamais fora afirmada de modo tão claro. Quando os mestres seguidores de Hui-neng se referiam a presença da Mente em cada mente individual e a sua pureza absoluta, a idéia de presença e de pureza devia, de algum modo, sugerir a existência de um corpo individual, por mais etéreo e transparente que possa parecer. O resultado seria o de livrar esse corpo da montanha de materiais obscurecedores. Por outro lado, o conceito de Vazio (wu-i-wu), segundo Hui-neng, pode conduzir a um abismo sem fundo, o que sem dúvida originaria um sentimento de total solidão. A filosofia do Prajnaparamita, que é também a de Hui-neng, produz geralmente esse efeito. Para compreendê-la, e necessária uma profunda compreensão religiosa e intelectual da verdade do sunyata. Quando nos é dito que Hui-neng experimentou um despertar ao ouvir o Sutra Vajracchedika (Sutra do Diamante), pertencente ao conjunto Prajnaparamita dos textos Mahayana, logo descobrimos onde ele assenta.

A ideia que prevaleceu ate a época de Hui-neng foi a de que a natureza de Buda, da qual todos os seres são dotados, e perfeitamente pura e imaculada quanto a seu Ser-em-si. Cabe ao yogue, portanto, descobrir a sua natureza-própria – a natureza de Buda – em sua pureza original. Mas, como já disse antes, na prática, isso pode levar o yogue a conceber algo de separado que retém a sua pureza por trás de toda a obscuridade absurda que envolve ,a sua mente individual. Sua meditação poderá redundar numa limpeza do espelho da consciência, na qual ele esperava ver refletida a imagem do seu Ser-em-si original e puro. A isso pode-se chamar de meditação estática. Mas refletir serenamente ou contemplar a pureza da Mente tem um efeito suicida sobre a vida, tendo Hui-neng protestado veementemente contra esse tipo de meditação.

(A Doutrina Zen da Não-Mente, de D. T Suzuki, p. 21-23)

Vídeo e textos selecionados pelo irmão Márcio Douglas para estudo em Loja realizado em 24 de julho de 2012.


"Nenhum Teósofo, do menos instruído ao mais culto, deve pretender a infalibilidade no que possa dizer ou escrever sobre questões ocultas" (Helena P. Blavatsky, DS, I, pg. 208). A esse propósito, o Conselho Mundial da Sociedade Teosófica é incisivo: "Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H.P. Blavatsky tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha" (Trecho da Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23.12.1924 e modificada em 25.12.1996.

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